quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Simulacro

Caravaggio

Há um cansaço estrangeiro grudado na retina. E a alma não alcança senão o sibilar de intrigas que vivem e morrem nas entrelinhas. Como sobreviver a elas sem arrancar-lhes o véu negro que esconde as vaidades? É quase uma afronta ao espírito esse embate, essa guerra sem glória.

Estico, então, um fio imaginário sobre os arranha-céus – quanto maior a escuridão dos homens, mais é preciso que eu esteja próxima às nuvens. E pé ante pé, tento vencer a distância entre uma ponta e outra. É um exercício aleatório, este. Sem eficácia nenhuma além de comprovar a inutilidade da nudez e da transparência em um mundo que sugere a dissimulação como o único e verdadeiro caminho para a sobrevivência.

Esse código sujo, aliado a mesquinhez, perturba minha existência: Não me peçam para engasgar o vômito da insurreição. Prefiro gritar ao vento. Quebrar os pratos, os copos, sujar as paredes – aprendi a limpá-las, quando necessário.

Estou agora no meio do trajeto. O fio imaginário permanece esticado acima dos homens e das coisas – e o corpo treme, o coração lateja no pulso, nas têmporas, na boca do estômago. Lá embaixo enxergo o redemoinho de sombras. Que cresce, ameaçando arrastar com ele o que guardo em ingênuas gavetas do espírito. Suspiro. E sinto que não há outra maneira de vencê-lo senão me deixar cair na tentativa de agarrar-me às raízes onde suponho estar entranhadas as minhas crenças e rebeldias.

Serão elas fortes o suficiente para manter-me livre da sujeira que enxergo nos corredores que  sou obrigada a percorrer para dar legitimidade à minha voz?

Um pássaro pia em resposta à minha pergunta. E ainda lá fora, o vento faz balançar a alta palmeira. Afasto-me por alguns minutos da tela, do fio, do redemoinho, da queda. Roço meus pés, um deles ainda sofrido, na grama morna. Deixo que os olhos alcancem os morros, a sombra dos morros, o nada.

São monstruosos os caminhos da verdade.

2 comentários:

beijamim disse...

Monstruosos são mesmo! Os caminhos da verdade são para poucos, porque pouca gente aguenta. Mas, vou te dizer, a maior monstruosidade está mesmo gravada em nossas ilusões sobre a verdadeira natureza das coisas. Quando a gente desvela isso, a ignorância do mundo pouco importa.

Marilia Kubota disse...

Gostaria tanto de conversar com você tête-à-tête, mas você não veio a Curitiba. Em setembro, se der, talvez vá a Florianópolis conhecê-la. Um beijo