A procura da autoria
Para ler ouvindo Ednardo
O título acima não é meu. Mas de um amigo que me enviou um e-mail perguntando sobre a
crônica da última quinta-feira. Não a fiz, pensei em responder. Mas era óbvio
que isso ele já sabia. E se ainda assim me escreveu, não foi senão para dar-me
um puxão de orelha.
Então, meu caro Zé (posso
chamar-lhe carinhosamente assim?), farei aqui uma confissão e espero que ela
sirva como um pedido de desculpas: o silêncio da última semana se deu por conta
de uma enxaqueca.
Esta é uma das desvantagens
da função não remunerada que me impus de escrever às quintas – sem a pressão de
um editor ou a obrigação com uma coluna de jornal, revista ou site, uma dor de
cabeça basta para justificar a inexistência de um texto novo.
É uma vergonha, eu sei. E um
desrespeito a leitores como você, sempre tão fieis. Mas veja: a falha também me
maltrata. Tanto e com tão profunda intensidade que chego a sentir escorrer o sangue
com as lambadas da página em branco, enquanto ouço o zunzunzum de histórias que
bem poderiam criar asas ao invés de me fazerem acordar no meio da noite.
Ontem, por exemplo,
despertei às três da madrugada com a expressão “rapiocagem” na cabeça (Ah, Zé,
bem sabes a agonia que é quando o coração de uma palavra resolve bater com
força!). Então acendi a luminária, peguei caneta, bloco e anotei-a (tenho
sempre a esperança de que isso seja o suficiente), mas para azar do meu sono vi
surgir nos meandros da rapioca a figura de um gavião, seguida pela de um homem
dando farelos a pássaros.
Como tenho pensado a
respeito do significado da palavra “fidelidade”, imaginei que tais elementos
dariam uma boa crônica. A ideia, a princípio, era a de desenvolver uma analogia
a partir das duas imagens de forma que fosse possível descrever o comportamento
de homens que mesmo comprometidos (ou exatamente por isso?) se dão ao trabalho
de testar o primário hábito de seduzir outras presas.
Para facilitar o raciocínio
eu os dividiria, então, em duas espécies. Na primeira estariam aqueles cujo
impulso predador é maior que qualquer escrúpulo – ou como cantou João do Vale
sobre o carcará: “Pega/mata/e come”. E na segunda, os que se alimentam tão
somente do jogo – como pavões que abrissem as exuberantes asas e gritassem a noite
inteira sem consumarem a dança do acasalamento.
Daí o homem e seus farelos –
todos distribuídos, na segurança da virtualidade, a desavisados e famintos pássaros.
Não menos infiel, não menos inescrupuloso, não menos nocivo do que os gaviões
(aliás, devo dizer que entre uma espécie e outra, ainda prefiro os da primeira:
são mais transparentes e previsíveis), esse tipo de homem daria origem ao que nomeei
de rapiocagem sentimental, expressão que achei perfeita para o título, caso eu conseguisse
fazer a tal crônica!
Mas quem disse que ela veio?
Frente ao fracasso em
desenvolver a ideia inicial, tomei um comprimido, anotei algumas impressões e
guardei-as. No futuro quem sabe eu possa, ao relê-las, escrever a respeito. E
dizer mais sobre o que penso do amor e suas distrações.
P.S. Como prova de minha
aflição e pressa em desculpar-me, resolvi antecipar o texto. Oxalá surja outro
até esta quinta!
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