quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Das luas escuras

Nasa

                                                                              
Para J.M.B.Cunha
Ler ouvindo Lua,lua,lua

Curiosamente não são poucas essas luas. Nada sei de suas faces, ainda que me sejam tão caras. E acostumei-me a cultivá-las assim, respeitando seus territórios de neblinas e sombras. Aqui e acolá me é dado um relâmpago, espécie de senda que abre parcialmente o que antes era apenas sonho: caminho desnuda, os pés arrastando solo frio e musgoso, em uma terra que desconfio existir no tempo que não foi, não é, não será.

De quantas mulheres são feitas essas luas? Provavelmente minha tataravó pudesse responder, não fosse ela mesma, um pedaço de matéria lunar. A tataravó: que imagens lacrimejavam em seus olhos quando eu ainda não podia existir sequer em pensamento? Lua escura, esta! Negra como o pelo do gato que atravessa o sinal na noite e esbanja, quiçá por cansaço, a sétima e última vida.

As luas, essas escuras, senhoras dos territórios de neblinas e sombras, me guiam ao grito ou ao completo silêncio. Uma questão de humor, imagino – flutuante, instável, não-linear. Gostam de mato e brisa. No primeiro acredito que haja uma sensação milenar de aconchego, daqueles que assustam e aquecem; e no segundo, a improvável leveza. Por isso, tanto vagar! Tantas despedidas, promessas, adeuses. Rastros que espalham, sei lá se na vida ou na alma dos outros, partículas tão insignificantes de mim que chego a pensar que nada mais sou além de um espectro.

E quantos caprichos têm as luas! Acontece às vezes de me fazerem amanhecer inverno, quando lá fora o sol segue a pino secando lençóis e fazendo gotejar a fronte dos que varrem as ruas para que pareçam ser o que são: caminhos de descobertas e esquecimentos. Em outras, adormeço verão, sentindo na pele o roçar felino do cobertor hipoalergênico.

Hoje, acharam por bem fazer-me não apenas caminhar até a beira do precipício, mas olhar para baixo: como é grande e assustadoramente bonito o vazio! Sinto nos pés um formigamento, uma atração nuclear, e não fosse o ato involuntário de piscar os olhos talvez minha matéria fosse agora outra – e não esta que carrego nas mãos trêmulas, ainda úmidas dos lamentos emprestados por mulheres desconhecidas.

Dizem-me tanto essas luas.

2 comentários:

ROCÍO disse...


Entendo que de mulher e lua todas nós temos um pouco...E não sei se é pelo fato de que vem aí mais uma neta talvez nessa, talvez na próxima lua que fiquei esperando aquela face da lua que atrai os seres pra fora de nossos úteros e o desejo varreu os meus olhos até encontrar a cumplicidade de sua leitura...E por que não? Afinal de quantas matérias são feitas a evocação?
Também adorei mais esse texto seu. Alai Diniz

Vássia Silveira disse...

Que bonito isso, Alai!