segunda-feira, 25 de julho de 2016

Considerações amorosas a uma leoa

Dara Scully

                                                                                                        * Para Clara

Queria hoje poder encher teu coração de alegria, dizer do quão é vasto e belo e misterioso o mundo; te presentear com um raio de sol, de lua, um vento. Forte como Iansã. Porque é preciso (e isso posso dizer com conhecimento de causa) saber ventar. Desalinhar o que aparentemente está reto, revolver a poeira, as folhas, os galhos secos – A vida, minha pequena, é quase sempre uma ventania. Por isso penso que seja interessante aprenderes a dançar na tempestade: há que se fazer festa quando tudo parece estar perdido!

É preciso também olhar com curiosidade e fome o desconhecido, pois é lá que costuma morar a poesia. E enxergar o que não está visível aos olhos – isso pode significar muitas coisas, mas brevemente eu diria que é necessário reconhecer na sombra do ignóbil uma esperança de flor.

Sugiro que carregues contigo o rio de Heráclito para que lembres que tudo é mutável. Trocando em miúdos: não deixe que nada congele uma imagem sua – ou do mundo –, caminhe sem medo de mudar de vida, de casa, de emprego e, quando necessário, de opinião (posso estar errada, mas desconfio que só os idiotas temem rever alguns conceitos e ideias).

Seja generosa com as pessoas. Mas não deixe de observar o fato de que algumas nos tratam de forma tão nociva que há que se pesar, nesses casos, se a generosidade deve ser dada a elas ou a nós mesmas.

Confie na natureza: ela é sábia em tudo o que faz! Ame as árvores, as matas, os rios, os mares e os bichos, nossos irmãos. E por amá-los, desconfie de tudo o que lembra o esforço do homem em domesticá-los – porque no final das contas, nenhum animal nasceu para viver entre quatro paredes.

Seja solidária e não deixe jamais de se indignar com os homens, mulheres e crianças que morrem de fome e frio pelo mundo – ou nas esquinas de sua cidade. Não fique apática frente às grandes questões, ainda que isto signifique engrossar as fileiras dos que vivem à margem. Lute, com as armas que você tem, contra qualquer forma de violência (sobretudo aquelas sofridas pelas minorias) e a favor da justiça, da liberdade, da vida e do direito à diversidade no mundo.

Tenha amigos, ainda que sejam poucos. Saiba reconhecer que reside neles o abraço que muitas vezes precisamos. E aprenda, mesmo que para isso seja necessário sofrer um pouco, distinguir os amigos dos colegas. Esses últimos estarão com você nas horas de festa enquanto os primeiros podem passar décadas sem uma notícia e, ao reencontrá-los, será como se tivessem estado juntos na noite anterior.

Reverencie suas raízes e reconheça que, de uma forma ou de outra, há rios e cantos xamânicos correndo nas suas veias. Mas não finque, assim como as águas dos rios e a força dos xamãs, os pés em uma única terra sem antes ter viajado e conhecido outras paisagens, sotaques, culturas. O mundo é tão grande! Ouça-o e não deixe se prender pelas comodidades e modos de vida que o capitalismo nos vende como uma irrevogável verdade.

Seja simples em suas aspirações. Porque a vida é ventania, mas também simplicidade. No fim, você irá descobrir que tudo o que realmente importa são nossas lembranças e os momentos que vivemos com aqueles que amamos.

E o mais importante: não deixe que te digam como deves seguir o teu caminho (isso inclui a mim e possivelmente, ainda que isso possa me entristecer, tudo que leste até agora) porque ele é só teu e de mais ninguém.



2 comentários:

Anônimo disse...

Belos conselhos amorosos! E sei o quanto são sinceros e verdadeiros. Espero que a leoa lembre-se sempre deles. Beijo no coração.Lu

Marilia Kubota disse...

Não escreve mais todas as quintas ?