tag:blogger.com,1999:blog-8968243643795504252024-03-05T12:55:27.323-03:00Toda QuintaUnknownnoreply@blogger.comBlogger131125tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-18993344506732930262020-06-08T21:51:00.000-03:002020-06-08T22:04:17.901-03:00Ei<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiM98bzeg8SLSJ726RSsTw0gCYJqqZWktva-qdtPao8m-XncEcc-r3S5PlUNMi5aJqaRgEZ8Qav3GmlsU5qPcCCnFvFNDDs86YtecAsz0BcpTZoYeVUHEBgTs0GYntPtSQHrJNpF_GVg_Kc/s1600/the+giantes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="943" data-original-width="545" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiM98bzeg8SLSJ726RSsTw0gCYJqqZWktva-qdtPao8m-XncEcc-r3S5PlUNMi5aJqaRgEZ8Qav3GmlsU5qPcCCnFvFNDDs86YtecAsz0BcpTZoYeVUHEBgTs0GYntPtSQHrJNpF_GVg_Kc/s320/the+giantes.jpg" width="184" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<i>The Giantess</i>, Leonora Carrington.</div>
<br />
<br />
Lobos ferozes<br />
<div class="MsoNormal">
à espreita <br />
nas escarpas <br />
internas <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
me impedem de.<o:p></o:p></div>
<br />Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-30974631100150616462020-05-02T16:24:00.000-03:002020-05-02T23:31:42.574-03:00O exercício da flor<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_sCn3_T5Zyi5BCcjJaY9bfuMiu2RWPkEoAzwkuC1B4Dyrjzi_gqG4jl9tfIDAaSKhdlmZsSqS2dwjnp8lIhZp5fHj773SfVCw-GEoX7-q5sll9F4ZIlozrO12U-TqyWBEf3SiCMIRKQib/s1600/Li+Shan_pintura.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="517" data-original-width="280" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_sCn3_T5Zyi5BCcjJaY9bfuMiu2RWPkEoAzwkuC1B4Dyrjzi_gqG4jl9tfIDAaSKhdlmZsSqS2dwjnp8lIhZp5fHj773SfVCw-GEoX7-q5sll9F4ZIlozrO12U-TqyWBEf3SiCMIRKQib/s320/Li+Shan_pintura.jpg" width="173" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000; font-size: x-small;">Li Shan</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="color: purple;">Para ler ouvindo:<br /><a href="https://youtu.be/mOtwSirCTHo" target="_blank"><span style="color: purple;">Kitaro, o vol 1 da série <i>Silk Road.</i></span></a> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Neste exato instante, em algum lugar
do mundo, uma pétala se despede da flor. E antes de repousar na terra – não sei
se árida –, entrega-se aos braços do vento. Mesmo com as pálpebras cerradas é
possível imaginar a coreografia: há um rumor de folhas ao fundo, os pássaros
estão quietos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Aos olhos do observador, a cena
não dura mais que alguns segundos. Mas o tempo da pétala é outro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Sei que, abertos os olhos, repousa
na janela outra imagem. Então os mantenho fechados. Interessa-me adivinhar o caminho
desse pequeno ser, cuja pele tem textura sedosa, um corpo lânguido, cor de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">qanik</i>. E séculos e séculos de memórias
agitando as nervuras. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Deixando-se carregar gentilmente,
e mesmo sabedora da despedida, há, eu sinto, um leve sorriso em sua face. Ouço-a
dizer, quase sussurrando, sobre as alegrias e misérias, as ilusões que precisou
viver para aprender a esvaziar-se. Não há rancor nenhum no espírito que lhe dá
nome. Só a tardia compreensão de que a vida é muito mais do que se pode falar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
O vento silencia. E a pétala
alcança, enfim, a terra. Com uma tristeza quase alegre, penso o quanto é bonita e
assustadora essa despedida. E que nada sei do destino da flor, além do fato de
que ela assim permanecerá por mais tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Um ronco de motor me distrai.
Abro os olhos. E então me dou conta, ainda sentindo nas pontas dos dedos alguma
leveza, de que a paisagem da janela é uma extensão da trajetória daquilo que,
minutos antes, eu chamava de pétala. <o:p></o:p></div>
<span style="font-size: x-small;"></span>Unknownnoreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-33521651631529789002017-11-30T21:44:00.000-02:002017-11-30T21:44:37.491-02:00A nova Pasárgada<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2ZsI0Di6r7-myhsZ4lDw7C_q8MiQCanocQExzCSKZaAcOC3BqG7EdyPXFmeBk4VvQb64BXDiG2b0sll7dB-Z_Uo5PY9VQngLjq0-hGRxoU3trV53sgZhgF_cXvodp-VK2JTKY6YBKhYm-/s1600/VonMartius267_1920x1080.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2ZsI0Di6r7-myhsZ4lDw7C_q8MiQCanocQExzCSKZaAcOC3BqG7EdyPXFmeBk4VvQb64BXDiG2b0sll7dB-Z_Uo5PY9VQngLjq0-hGRxoU3trV53sgZhgF_cXvodp-VK2JTKY6YBKhYm-/s320/VonMartius267_1920x1080.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
<span style="background-color: white; font-size: 12pt;"><span style="color: #bf9000;">Carl Friedrich Philipp von
Martius</span></span><b><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
<span style="background-color: white; font-size: 12pt;"><span style="color: #bf9000;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">Nilson Moulin me pergunta pela
crônica da última quinta, 23 de novembro. Não a escrevi. E justifico a ele, em
uma linha, a razão do silêncio: “Muita merda junta, meu amigo!”. <br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">Penso que a sentença, em atualíssimo
português, serve para desmentir a ideia de que sou capaz de ver poesia em todas
as pequenas e grandes tragédias do cotidiano – “é o que sugerem seus textos”,
disse-me outro amigo escriba. <br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">Não, não tenho essa vocação para Pollyanna.
Aliás, nunca consegui passar da orelha do famoso livro infantojuvenil. E se
minhas crônicas desmentem a afirmação é porque são frutos de uma lida dura e
solitária com o texto: nunca sei se o que escrevo é totalmente verdade, mentira
ou invenção, mas dificilmente trata-se apenas da realidade – ainda que dela
partam os verbos que encadeiam o pensamento e os adjetivos que buscam dar algum
sentido ao que alegra, aperta ou indigna o coração.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><br />Ontem, por exemplo, o gás resolveu
acabar na hora do almoço. E justo quando eu ia fritar os ovos! Sim, eu comeria
ovos no almoço, e isso bem poderia ter rendido uma crônica sobre a memória
afetiva que um prato de ovo frito, com arroz e feijão, é capaz de despertar em
um ser humano – não em todos, claro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><br />Mas ando cansada. E o desânimo é tanto,
que sinto como se fosse uma grande inutilidade buscar poesia enquanto vejo
subir a lama e, pior, sabendo que hoje mesmo há quem vá dormir sem ovo, arroz
ou feijão no prato. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><br />Quando a vida desanda assim,
eu quase sempre silencio. E não é por conformismo ou covardia, como bem pode
parecer, mas por receio de destilar vilipêndios – o sangue não é de barata, meus
senhores e minhas senhoras – enquanto o espírito é açoitado pelos crimes, vaidades
e vilezas alheias. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><br />Meus silêncios, geralmente, trazem à
tona a velha indagação: Terei eu lugar no mundo? Esta não é uma pergunta
retórica. E todas as vezes que sinto urgência em respondê-la, penso que
enquanto o homem não conseguir explodir o planeta, haverá sempre um pedaço de
chão desprezado pelos bípedes ‘civilizados’, um lugar para onde levar livros e inquietações.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><br />Falando em bípedes, expressão tão cara
ao Nilson, lembro que o escriba e tradutor planeja afastar-se de vez da raça. Em
nosso último encontro, ele me falou sobre um pedacinho de terra perdido, se não
estou enganada, na região da Serra do Caparaó. Um lugar sem vizinhos próximos,
estradas ou energia elétrica (desses que a gente ainda encontra logo ali, na
floresta). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><br />Não sei se cheguei a dizer ao parceiro
de utopias, mas quando a merda é grande, ponho-me a pensar nesses lugares. E
empurrada, quiçá, por um romantismo atávico, vejo-os sempre emergir como uma nova
Pasárgada – destituída, obviamente, de reis. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-65930774862038413572017-11-16T15:39:00.000-02:002017-11-16T15:39:31.151-02:00Duas ilhas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPf_i_m2Y3Y1dJVnwlJVux7u443EOJ6F7_6unvMk7tGm9ahWg31X0SV7qXQx7ncUKe2qRGVT1zwrycLCYDK61IwNBv0CX34MMJlqJkYQFkYcT935QQTnOVzDySmwQTaG23JdLHQSSiWlyw/s1600/Claude_Monet_Impression_soleil_levant_1872.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="780" height="246" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPf_i_m2Y3Y1dJVnwlJVux7u443EOJ6F7_6unvMk7tGm9ahWg31X0SV7qXQx7ncUKe2qRGVT1zwrycLCYDK61IwNBv0CX34MMJlqJkYQFkYcT935QQTnOVzDySmwQTaG23JdLHQSSiWlyw/s320/Claude_Monet_Impression_soleil_levant_1872.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #b45f06;">Claude Monet</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #b45f06;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esta semana me pus a pensar no
amigo. Não sei se por saudade ou inquietação, deixei que sua voz entrasse na
sala enquanto eu lia um trecho de poema que a memória foi incapaz de reter. <o:p></o:p></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #b45f06;"></span></div>
<div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Na última vez que nos encontramos
– dois náufragos à procura de uma faixa de terra, com sombra, água e algum
alimento pra sustentar a carne –, ensaiávamos o fim da história. Aquela que
começou como um romance de quinta categoria e terminou como terminam todas as
histórias escritas sem alma. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br />Era domingo. E domingo, quase sempre, chega trazendo um
pouco de tristeza. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Agora, no meio da sala, a voz
rouca e zombeteira me conta das cores usadas no último esboço: um emaranhado de
traços cinza pontuando a urgência de adeus. Ouço-a com atenção, e num gesto que
mistura calma e intranquilidade, estendo-lhe as nervuras da folha que guardei
no livro da Ana C. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Gosto dela. E o poema onde hoje
repousa a folha do jequitibá-rosa me acompanha desde a adolescência, quando eu
ainda acreditava que era possível me desvencilhar das tristezas que entram
sorrateiras no coração. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Foi em um domingo que caminhamos
rodeados de jequitibás. A estrada de terra era íngreme e levantava poeira
quando os carros passavam velozes. Nós ríamos. E pelo menos naquela manhã,
fizemos algum esforço para esquecer o que de fato nos unia: a atração por ilhas
e a segurança das águas salinas que as mantêm separadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Ah, essa distância entre os
vultos e os ossos! Confesso que dela nasceram alguns poemas. E isso me encheu
de gratidão. “Comigo aconteceu o mesmo”, penso ter ouvido sussurrar a voz que
ocupava, então, o centro da casa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />(Levantei os olhos. E por alguns
instantes, tive a sensação de que meus navios atracavam na baía instalada na
retina do amigo).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />No andar de baixo, a vizinha
deixa cair uma travessa de vidro. Os cacos, suponho, espalham-se pela cozinha.
Ponho-me a imaginar o trabalho conjunto da vassoura e a pá. Terá ido ao chão
também o almoço? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Um susto, e a sala retorna ao seu
silêncio de paz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-28165855275233573882017-11-01T18:13:00.000-02:002017-11-01T18:13:18.185-02:00La route<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcuS1dWPz1beQ9DxrfuhjEUwqHRl_YhKZffhgXUGWubj6g1WCeI0yBA0LTdrgNBF2XpaGS_OZ_qhuBXj3yascVs4DoIflKyG0bY5RNNWX2djpxghjunuPd6USAiRewlDWMSKFmWGsqF3ok/s1600/madame_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="360" data-original-width="640" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcuS1dWPz1beQ9DxrfuhjEUwqHRl_YhKZffhgXUGWubj6g1WCeI0yBA0LTdrgNBF2XpaGS_OZ_qhuBXj3yascVs4DoIflKyG0bY5RNNWX2djpxghjunuPd6USAiRewlDWMSKFmWGsqF3ok/s320/madame_n.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Madame Tutli-Putli</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: purple;">Para ler <a href="https://www.youtube.com/watch?v=GGyLP6R4HTE" target="_blank">vendo</a> ou<a href="https://www.youtube.com/watch?v=x3eDRVTbpk8" target="_blank"> ouvindo</a></span></div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um rufo de britadeira no coração.
A vida suspensa num fio invisível – “<i>La
route chante, quand je m'en vais</i>”, diz a canção recém-encontrada... Lá fora
e aqui a alma busca lugar no mundo. É tanto cinza, tanta fuligem! Os prédios
açoitados pelo tempo, a utopia escalando morros e morros e morros. Até sucumbir
no asfalto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />A rua espirra sangue e silêncio.
E a alma segue, desajeitada, arrastando a sombra: o “bom dia” respondido em
riso sincero, a freada brusca na esquina, os pombos banqueteando-se na avenida,
próximo ao semáforo. Um passo a mais, o
paço semideserto. A mangueira com a boca escancarada, o flanelinha esquálido,
olhos pregados nas grades da catedral.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Quantos anos pesam nos ombros da
lembrança? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Por um descuido, a melancolia se
instala. E vem ao estômago a ânsia. Nostálgicas cenas de um viver mais atento.
O som do telefone cinza tocando no corredor, a vitrola amarela no quarto – os
vinis... Por onde andam, agora, os que tive? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />A telha arrastando o chão. Um vão
abrindo-se em labirintos. E a vizinha gritando da janela “Vai querer chope?”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />No canto do olho, a menina do
vestido azul de bolinhas. “Vem, segura minha mão”, diz ela. Penso abraçá-la,
mas logo me dou conta de que é ela quem me envolve com seus pequenos braços
enquanto desfaleço nesse colo ainda tão cheio de esperança.<br /><br />(Em dias assim, é a infância – ou
a ideia desse assombroso território – que me salva).</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-51902725457767737162017-10-17T22:55:00.000-02:002017-10-17T22:55:21.615-02:00Sem divórcio<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhD-iRvhqoVH5_vVqtKK4bbAT5HGJNm3DXg-e1IFXVBjdY9NA0oCudQssi65eRc9uGBnMiS91kKvd-ifP1UVv6vduNItTqXrD4wk8yVUaQ-2swelyFmfUFPo__G_GvWr3VGXLq4WKUk4krB/s1600/Alexey_Menschikov_foto+div%25C3%25B3rcio.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="382" data-original-width="590" height="207" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhD-iRvhqoVH5_vVqtKK4bbAT5HGJNm3DXg-e1IFXVBjdY9NA0oCudQssi65eRc9uGBnMiS91kKvd-ifP1UVv6vduNItTqXrD4wk8yVUaQ-2swelyFmfUFPo__G_GvWr3VGXLq4WKUk4krB/s320/Alexey_Menschikov_foto+div%25C3%25B3rcio.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Alexey Menschikov</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lembro como se fosse ontem a
primeira vez que pedi socorro a eles. O ano era 1999 e a ligação no meio da
noite se deu graças a um incidente doméstico: a primogênita, então com dois
anos, quis por à prova a proibição de mexer no ferro de passar roupa e acabou
aos prantos com uma queimadura nos dedos que marejou meus olhos tão logo bati a
vista nas bolhas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Sem dinheiro ou cartão em mãos,
não contei peteca nem pudores. Peguei o velho telefone, disquei para a farmácia
perto de casa e expus ao atendente a frágil situação: precisava do remédio, mas
só podia pagar no dia seguinte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Dez minutos depois, chegava o
motoqueiro com o pacote que selaria o mais longo e verdadeiro de meus casamentos
– pois o que é um casamento, ou um bom casamento, para ser mais exata, senão
uma mistura de confiança, afeto e companheirismo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Posso afirmar, ainda que seja
obrigada a contabilizar os anos nos quais estive ausente, que lá se vão quase
duas décadas de bom relacionamento. Primeiro, com os donos do negócio –Olivaldo
e Walter. E logo depois, com o seu João. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Ele, o seu João, acompanhou
praticamente todas as minhas enxaquecas, algumas ressacas e, seguramente, os
casamentos desfeitos. Também soube dos vermes, dos resfriados, das infecções de
amígdalas e ouvido de minhas pequenas. E das vezes que para suportar a tristeza
fui obrigada a engolir tarjas pretas. Seu João soube ainda das diversas mudanças
de casa – uma delas, quando moramos na Estação Experimental, bairro que ficava
relativamente afastado da farmácia, mas que de todo modo era lá que me faziam
as entregas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />De 1999 até hoje, nos mudamos três
vezes de cidade. E para minha alegria, todo retorno eu descobria que não apenas
o seu João, mas também a minha conta continuavam no mesmo lugar! Lembro que em
uma dessas mudanças, meu pai me telefonou preocupado querendo saber se eu tinha
deixado alguma dívida com os companheiros da farmácia: “Eles me ligaram
perguntando por você, então eu disse que estava bem, morando agora em
Florianópolis”, contou-me na ocasião. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />A verdade é que eu não tinha
deixado para trás dívida financeira com a farmácia. Mas tenho consciência de
que se fosse obrigada a dimensionar em valores de moeda corrente o quanto
recebi deles, a história seria outra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Semana passada fez dois meses que
voltamos para a terrinha. As filhas não são mais crianças, as enxaquecas diminuíram
consideravelmente, e como até agora nenhuma de nós apanhou um resfriado, ainda
não precisei ir à farmácia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Isso, claro, não me deixa
tranquila. Pois há em mim uma
necessidade de reencontrar o povo de lá. Dias desses passei de noite, perguntei
por seu João e pelo Olivaldo, um dos donos, mas não dei sorte de encontrá-los. O
que foi uma pena, pois queria dizer-lhes que apesar das grandes redes de
farmácia que começam a pipocar na cidade, eu continuo fiel àqueles que sempre
me acompanharam. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Aliás, farei uma confissão sobre essas
grandes redes: elas me enchem de nostalgia. Pese o fato da variedade, e mesmo
do preço competitivo, me soam como lugares inóspitos. Uma espécie de templo à cordial
impessoalidade: entrar nelas é como estar em qualquer farmácia de uma grande
cidade, onde muito provavelmente não se encontram nem um Olivaldo e nem um seu
João para nos salvar de pequenas misérias do cotidiano. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-6876562072527159752017-10-14T20:37:00.000-03:002017-10-14T20:38:36.750-03:00Oxumaré<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQJ5toLxNmqjpSxknTJKh1C_jGSy1AZbMDy91823U2hlK5TITQOgNF5RpU6dqKf6o0TI7yod0JOhJhyphenhyphenm_3Gzx9QhxgBF3Pt3IgD2ldFOK-pIUJkNPUxlHSBqYBpxe94fmLX8Gov8Cu1bjS/s1600/Helio_Melo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="447" data-original-width="660" height="216" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQJ5toLxNmqjpSxknTJKh1C_jGSy1AZbMDy91823U2hlK5TITQOgNF5RpU6dqKf6o0TI7yod0JOhJhyphenhyphenm_3Gzx9QhxgBF3Pt3IgD2ldFOK-pIUJkNPUxlHSBqYBpxe94fmLX8Gov8Cu1bjS/s320/Helio_Melo.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Hélio Melo</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
O presente é tão grande, não nos afastemos.<br />
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.<o:p></o:p></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<br />
Carlos Drummond de Andrade<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br />
A filha
reclama da mudança. “Calor infernal, mãe”, diz enquanto seguimos a pé para o
mercado público. Ela não gosta de caminhar pelas ruas, mas sempre que posso
tento dobrar sua resistência na esperança de que em algum momento, a cidade lhe
ganhe o coração.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
“Tá vendo
aquele coreto? Eu costumava sentar, ali, quando saía cedo da escola. E um
pouquinho mais à frente tinha uma banca de bombom onde eu comprava
fiado”. Ela suspira, diz que sente falta da Alfândega, quando
encontrava as colegas sem precisar que eu a acompanhasse. “Aqui não tenho
coragem”, explica. Entrelaço meus dedos nos seus, e tento esconder o olhar para
que ela não leia nele a mesma aflição: “É uma questão de tempo, filha, logo
você vai ver que não precisa ter tanto receio”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br />
Mostro-lhe o rio, e conto-lhe que na infância eu tinha medo de ver as catracas
atravessando-o, “Muitas histórias de cobra-grande”. Ela ri, incrédula e
zombeteira, “Ai, mãe, me poupe!”. “Você não acredita?”, insisto. E a pequena,
cansada de minhas reminiscências, ameaça-me uma vez mais contra a parede:
“Quando eu crescer e tiver minha casa não vou sair por aí, me desfazendo de
tudo”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br />
A sentença é dura. Mas não o suficiente para fazer com que eu me arrependa das
escolhas. “Não me desfiz de tudo, meu amor. Apenas de coisas materiais”. Ela
faz um muxoxo, e em seguida me afaga com seus grandes e profundos olhos: “Eu
sei, mãe”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br />
Há tempo não me detenho senão no inefável. Tanto que, às vezes, o dia se faz
triste sem razão aparente. Como agora mesmo, quando a manhã inadvertidamente se
veste de um cansaço milenar – ainda que sua luminosidade faça das folhas das
árvores um caleidoscópio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br />
Descanso, então, sobre o véu cinza e busco nele a indelével trama: os afetos,
os desafetos, as tardes que morreram no asfalto sem que eu as fotografasse
antes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br />
E como se um novo mundo abrisse sua boca para mim, vejo a poeira que sobe em
círculos coloridos. Manhã, tarde, noite. O tempo sem caber mais no relógio. A
menina espantada com os fios de neve. A mulher admirando as veias da mão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br />
No tronco da árvore frondosa, a cobra-grande. É dela esse reino, meio água,
meio ar, meio terra. Foi um sonho, acho. Daqueles que nos fazem mergulhar na
ancestralidade.<br />
<br />
“E você sentiu medo?”. Um pouco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><br /><o:p></o:p></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-1536478378220097532017-02-09T15:51:00.000-02:002017-02-09T15:51:54.286-02:00O mapa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiABXxEfGU_g17oE7wGOfuvA-LT-mcDZTce11DtKITCJfvn4Mc_bY3-MtDmcqg2j_urnbojlmgpuJtTuRzN3FUrorP9TqKRra2OjWSSBct7DxhOJlTL_iYouqYI9eE8_f5gcmMhtpJNbgGb/s1600/realismo+coubert.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="260" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiABXxEfGU_g17oE7wGOfuvA-LT-mcDZTce11DtKITCJfvn4Mc_bY3-MtDmcqg2j_urnbojlmgpuJtTuRzN3FUrorP9TqKRra2OjWSSBct7DxhOJlTL_iYouqYI9eE8_f5gcmMhtpJNbgGb/s320/realismo+coubert.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Gustave Courbet</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dedico-me atualmente a ler um
mapa. Sei que nele estão estampadas as
fadigas do tempo, mas como é difícil, meu deus, delimitá-las se estão todas
diluídas na carne mole e feroz! Aproximo-me, então, do espelho e acaricio os
sulcos que pendem da árvore onde repousam os olhos, a boca, o nariz e miríades
de inquietações. As lembranças aninhadas como uma crista de galo velho. Não
seria mais digno se elas fincassem sua morada na face? <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Duas portas fechadas e algumas
palavras ríspidas assim o fizeram. Encontro-as ao redor da boca e ao vê-las o espirito
se agita. Não há noite o bastante para velejar nessas águas, nem silêncio capaz
de aquietá-las. Estão sempre lá, como bandeiras orgulhosas cravadas em
território usurpado. E nada posso fazer senão dobrar-me, reconhecendo nessa
presença uma sombra que avança sobre campo estéril. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por toda a face soçobram sonhos. Uns
dissimulados em manchas; outros em rugas finas que saltam ao menor indício de
riso. Mas em ambos não há sofrimentos maiores do que um soluço na madrugada.
Tudo muito previsível e suportável. Diria até que necessário, não fosse o fato
de eu ter herdado de minha avó esta mancha negra que margeia os olhos e que a
cada noite torna-se mais funda e irrevogável. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Penso na dureza das cicatrizes,
mas o latido do ganso da vizinha evita que eu mergulhe mais fundo. Como é
irritante esse cachorro! Há seis meses tivemos, eu e a dona dele, um entrevero
no portão. Felizmente o episódio serviu para afastar da calçada de casa a
língua ferina da mulher. Mas deixou-me sem paciência para o latido do cachorro –
provavelmente porque me faz recordar, com antipatia, o timbre de voz da dona. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Silêncio. Finalmente o ganso se cala.
<br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volto então ao que para mim é ainda
indecifrável. Esse desfiladeiro aberto entre o queixo e a base do pescoço. Que
desilusões fincaram as garras na pele arrastando-as a ponto de deixá-las o que
são hoje? Faço a pergunta e antes que perceba, lá estou eu contemplando novamente
a imagem no espelho. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Mas que despautério querer decifrar
os sulcos! </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Os olhos obedecem à voz rouca e cansada, e pousam nas mãos. E
elas, num gesto que não esconde certa resiliência, afagam a carne mole como
quem brinca com um bicho de estimação. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br /></span>
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br /></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-81758832196606352602016-12-08T00:30:00.000-02:002016-12-08T00:30:14.416-02:00Ao fim e ao cabo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_zTuvx0jjksUdlC-nKKbo6H3-hnkxV6kmi9BfuDa8-ZO_r8NNknD4QlzXGWZvQY_YhN3wWDnfCHHtGUdAP9eO_wQld5iawGKSWzNi77QVwU4gleUyNsZhK_7teBkvoF-uP17W2g09LkNy/s1600/O_magico_de_oz_dorothy.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_zTuvx0jjksUdlC-nKKbo6H3-hnkxV6kmi9BfuDa8-ZO_r8NNknD4QlzXGWZvQY_YhN3wWDnfCHHtGUdAP9eO_wQld5iawGKSWzNi77QVwU4gleUyNsZhK_7teBkvoF-uP17W2g09LkNy/s320/O_magico_de_oz_dorothy.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Judy Garland em "O Mágico de Oz" (1939)</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
Para ler ouvindo <a href="https://youtu.be/1HRa4X07jdE" target="_blank"><span style="color: magenta;">Garland</span></a></div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os ventos varreram a
casa. Levaram não apenas as folhas de amianto, mas o resto de dignidade das
vigas de eucalipto não tratado que sustentavam pequenos sonhos e que
amanheceram no telhado do vizinho. “Felizmente não quebrou nada aqui”, me diz
ao telefone a voz anunciadora dos estragos. Do outro lado da linha, após
calcular numa fração de segundos os transtornos que a notícia me trazia,
lembrei com resignação e uma pontada de quase alegria que não havia mais alma
viva no lugar. <o:p></o:p></span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 16px;">Ai, as voltas que a vida dá! Um dia, um lar; no outro, destroços. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Agora era dar nome à
ruína. Ver sob o céu instável o que guardar das memórias. Ou o que restou
delas. E de repente, sem que eu tenha tempo de evitar, esta constatação me joga
num turbilhão de lembranças mal resolvidas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Não por acaso me dou
conta de que é quase Natal, e uma vez mais ela estará emprestando paredes e
enfeites enquanto os filhos remoem à distância o tempo que tudo transforma. O
tempo, as escolhas e a inabilidade que às vezes demonstramos em tomar as rédeas
de nosso percurso e fazer da pedra dura uma trilha para a mudança necessária.
Esperei isso dela, mas acho que foi pedir demais. E quando deixei de esperar,
os anos tinham passado rápidos e inclementes, arrancando dela – e por isso, um
pouco de nós também – a segurança, o conforto, a família ao redor da árvore.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Dou-lhe a notícia da
casa. E já não sei mais se por cansaço ou resignação, ela demonstra pouco
interesse em saber dos detalhes: “O importante é que não havia ninguém lá...”. Não
me pergunta dos móveis, dos livros, da louça ou das roupas, mas suspira ao
pensar nas fotografias de família que preguei na parede do corredor: “Que pena!
Você deveria ter arrancado antes”. Cinco minutos e ela não quer mais falar.
Talvez queira recolher-se no quarto de hóspedes e chorar sem que ninguém a
veja, enquanto refaz o caminho que a leva à infância. Porque é lá que vivem
todos os nossos fantasmas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Ciente disso, emprego o
resto de forças que tenho para evitar entrar na mesma estrada e encontrar a
menina do vestido azul de bolinhas. Não tenho nada para dizer a ela agora.
Tampouco quero ouvir de seus olhos famintos e tristes, as mesmas lamúrias. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Por isso, prego à minha
frente a imagem da mulher que me gerou. E tento enxergar nela não mais as
ausências, as fraquezas, mas sua fortaleza. Então me dou conta de que veio dela
a herança que carrego, este hábito de vagar pelo mundo evitando o apego àquilo
que um vento leva ao chão e enterra. É esta sua fortaleza. É esta a minha
fortaleza. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Lá fora os passarinhos
cantam. Cantam e cantam festejando sei lá o quê!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />É domingo, e domingo
sempre me traz lembranças melancólicas. Foi num domingo que descobri a tristeza
das cartas, o silêncio dos homens, a confusão das palavras, a dormência dos
membros, o choro das velas, a ausência, o vazio, o crepúsculo. <o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br />Aos domingos eu ensaio a morte. E deixo sangrar
a esperança.<br /><br /><br /></span>Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-61089705365167663822016-12-01T00:24:00.000-02:002016-12-01T00:24:01.609-02:00Pluralia tantum<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXBFPYn0XHdTyKacDuwqDRfPGJMTDJ02RPTOzmexijIa_Pn9wG_zGlOQGHFDib1E7z-8hQwkdUIBumbzCufSJuJ-AaWXEMQZwH1Zg7edbJt9U2mapUmIbdIn0I8ey-xHhyE6IZAmE4kfu2/s1600/escher_sky.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="314" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXBFPYn0XHdTyKacDuwqDRfPGJMTDJ02RPTOzmexijIa_Pn9wG_zGlOQGHFDib1E7z-8hQwkdUIBumbzCufSJuJ-AaWXEMQZwH1Zg7edbJt9U2mapUmIbdIn0I8ey-xHhyE6IZAmE4kfu2/s320/escher_sky.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">M.C. Escher</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #b45f06; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Acho que foi aos treze anos
a primeira vez que ouvi dizer que era preciso usá-los sempre. Na época, ganhei
um modelo com lentes que escureciam bruscamente à luz, uma escuridão repentina
que, para azar meu, não protegia da zombaria alheia nem do fogo amigo. Além
disso, colocá-los pela manhã era experimentar a turbulência de uma montanha
russa: o chão afundava, ondulava, abria outra dimensão e eu demorava alguns
minutos até me acostumar a ela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Não tenho como garantir
se foi este o desconforto que me fez, contrariando as orientações recebidas,
abandonar os óculos. Tampouco recordo se a decisão foi acatada com suavidade
por meus pais que, afinal, tinham empregado um bom dinheiro para garantir que
eu enxergasse melhor o mundo. Sem saber, é claro, que para uma menina tímida,
rodeada por colegas de escola cuja beleza e desenvoltura alargavam distâncias,
usar lentes de humor tão volátil para enxergar melhor o mundo não era lá muito
atraente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Mais tarde, dei mão à
palmatória e assumi que se quisesse ler tinha que usar os óculos. Dispensei, por
via das dúvidas, as lentes fotossensíveis – por sinal, mais caras que as
tradicionais! –, mas fiz questão de comprar uma armação grossa, colorida,
indisfarçável. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />A questão é que
descontando os momentos frente a um bom livro ou filme, o que eu gostava mesmo
era da perplexidade de ver o mundo sem tanta nitidez. Entristecia-me, por
exemplo, a descoberta de que o cartaz que eu havia lido antes sem os óculos não
anunciava a venda de ASAS, mas de CASAS; e que junto ao gentil e solidário aviso
VENDE-SE FIADO, havia sempre uma frase em letras menores a enterrar a
esperança. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Ah, que mundo mais sem
graça este! <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Daí que por mais de
vinte anos, usar ou não os óculos era a medida para saber até que ponto eu
estava disposta a enxergar de forma nítida, imagens provavelmente mais
interessantes quando turvas. Não pense o leitor ou a leitora que tal decisão
foi tomada impunemente. E digo isso lembrando, por exemplo, de algumas
aventuras amorosas – sobre as quais me pergunto, hoje: Eu as teria vivido caso
estivesse de óculos?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Vai saber. O fato é que
por muito tempo mantivemos uma relação que se assemelha àquelas cujas pequenas
alegrias se dão em segredo. Isso significa dizer que quando estava trabalhando,
lendo ou ia ao teatro, cinema, exposição, usava-os. No mais, eram para mim
dispensáveis. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />E tudo ia muito bem,
obrigada: Eu conseguia tomar o ônibus certo, pois tinha desenvolvido a
habilidade de reconhecer, pela extensão do nome, aquele que me levaria ao local
desejado; não dependia do cardápio dos bares ou restaurantes para saber o que
ia pedir; e se não enxergava os amigos na rua, a culpa nunca foi da ausência
dos óculos, e sim do hábito de caminhar com o pensamento em outras paragens. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Ah, mas as peças que o
tempo prega na gente! Há dois anos descobri, com certo desespero, que não lia
mais a bula de alguns remédios. Fui correndo ao oftalmologista. Saí de lá com
uma receita de lentes multifocais, o grau aumentado e o desconsolo de saber que
a tendência era ficar cada vez pior.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Isso dito, o tempo se
encarregou do resto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Aos poucos fui
percebendo que para enxergar a hora no celular eu precisava usar os óculos;
para saber quem estava me ligando também; a mesma coisa ao tentar adivinhar o
letreiro dos ônibus; as placas de sinalização; os avisos nos caixas eletrônicos.
E quando me dei conta, eu já precisava usá-los para cozinhar, lavar a louça,
limpar o chão da casa, falar sério com as filhas e até para comer. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Outo dia, sem perceber,
eu entrei no chuveiro com eles. Foi o fim da picada! Senti-me vencida pelos
óculos. E um pouco solitária, um pouco triste, um pouco traída por aquela
menina de treze anos que, na sua indulgência, me fez crer que enxergar melhor seria
sempre uma questão de escolha. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">As bulas de remédio, para
as quais resolvi comprar uma lupa, estão aí para provar que não.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-30213027139099797722016-07-25T00:05:00.001-03:002016-07-25T01:10:55.996-03:00Considerações amorosas a uma leoa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-8cVnafhLBxCzwcHG3c911ibou26Ci_E5q35nR4_fg25OJxDpey1LJtIykNS_2bLRODIAix6XQut_uEeM_sPR5FnTW5cLxWrlHaKIN6JYSqnDCyTxaFIoa58lt1YZUhUzF9RcfRSvP2Md/s1600/dara_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-8cVnafhLBxCzwcHG3c911ibou26Ci_E5q35nR4_fg25OJxDpey1LJtIykNS_2bLRODIAix6XQut_uEeM_sPR5FnTW5cLxWrlHaKIN6JYSqnDCyTxaFIoa58lt1YZUhUzF9RcfRSvP2Md/s320/dara_2.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Dara Scully</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="color: #bf9000;"> </span><span style="color: purple;"> * Para Clara</span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="color: purple;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Queria hoje poder
encher teu coração de alegria, dizer do quão é vasto e belo e misterioso o
mundo; te presentear com um raio de sol, de lua, um vento. Forte como Iansã.
Porque é preciso (e isso posso dizer com conhecimento de causa) saber ventar. Desalinhar
o que aparentemente está reto, revolver a poeira, as folhas, os galhos secos – A
vida, minha pequena, é quase sempre uma ventania. Por isso penso que seja
interessante aprenderes a dançar na tempestade: há que se fazer festa quando
tudo parece estar perdido!<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É preciso também olhar com
curiosidade e fome o desconhecido, pois é lá que costuma morar a poesia. E enxergar
o que não está visível aos olhos – isso pode significar muitas coisas, mas
brevemente eu diria que é necessário reconhecer na sombra do ignóbil uma
esperança de flor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Sugiro que carregues contigo
o rio de Heráclito para que lembres que tudo é mutável. Trocando em miúdos: não
deixe que nada congele uma imagem sua – ou do mundo –, caminhe sem medo de
mudar de vida, de casa, de emprego e, quando necessário, de opinião (posso
estar errada, mas desconfio que só os idiotas temem rever alguns conceitos e
ideias). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Seja generosa com as
pessoas. Mas não deixe de observar o fato de que algumas nos tratam de forma tão
nociva que há que se pesar, nesses casos, se a generosidade deve ser dada a
elas ou a nós mesmas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Confie na natureza: ela
é sábia em tudo o que faz! Ame as árvores, as matas, os rios, os mares e os
bichos, nossos irmãos. E por amá-los, desconfie de tudo o que lembra o esforço
do homem em domesticá-los – porque no final das contas, nenhum animal nasceu
para viver entre quatro paredes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Seja solidária e não
deixe jamais de se indignar com os homens, mulheres e crianças que morrem de
fome e frio pelo mundo – ou nas esquinas de sua cidade. Não fique apática frente
às grandes questões, ainda que isto signifique engrossar as fileiras dos que
vivem à margem. Lute, com as armas que você tem, contra qualquer forma de
violência (sobretudo aquelas sofridas pelas minorias) e a favor da justiça, da
liberdade, da vida e do direito à diversidade no mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Tenha amigos, ainda que
sejam poucos. Saiba reconhecer que reside neles o abraço que muitas vezes precisamos.
E aprenda, mesmo que para isso seja necessário sofrer um pouco, distinguir os
amigos dos colegas. Esses últimos estarão com você nas horas de festa enquanto
os primeiros podem passar décadas sem uma notícia e, ao reencontrá-los, será
como se tivessem estado juntos na noite anterior. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Reverencie suas raízes
e reconheça que, de uma forma ou de outra, há rios e cantos xamânicos correndo
nas suas veias. Mas não finque, assim como as águas dos rios e a força dos xamãs,
os pés em uma única terra sem antes ter viajado e conhecido outras paisagens,
sotaques, culturas. O mundo é tão grande! Ouça-o e não deixe se prender pelas
comodidades e modos de vida que o capitalismo nos vende como uma irrevogável
verdade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />Seja simples em suas
aspirações. Porque a vida é ventania, mas também simplicidade. No fim, você irá
descobrir que tudo o que realmente importa são nossas lembranças e os momentos
que vivemos com aqueles que amamos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br />E o mais importante:
não deixe que te digam como deves seguir o teu caminho (isso inclui a mim e possivelmente,
ainda que isso possa me entristecer, tudo que leste até agora) porque ele é só
teu e de mais ninguém. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-53778556289811228792016-03-10T20:09:00.001-03:002016-03-10T20:09:07.756-03:00Telegrama II<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf7Gj9oruzDJ4Tbbph-ddI2Ph-tiWiMOn_Dbc7HshV85Z8Fvni9LdnnPjtMen3KrGSaZr8s7q6vuRScbjxubHH9uL6d7vC3VNU4tYEc9rTJPJxhoxJ_hK7aVSbFLDjO0nJ8AKBXBYa5GKw/s1600/anja.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf7Gj9oruzDJ4Tbbph-ddI2Ph-tiWiMOn_Dbc7HshV85Z8Fvni9LdnnPjtMen3KrGSaZr8s7q6vuRScbjxubHH9uL6d7vC3VNU4tYEc9rTJPJxhoxJ_hK7aVSbFLDjO0nJ8AKBXBYa5GKw/s320/anja.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000; font-size: x-small;">Anja Millen</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="color: purple;">Para ler ouvindo</span> <a href="https://youtu.be/UBVKm3bDcVs?list=PLLGk12CjUeW5FATwUAn5jQdf2b4rmUnXC" target="_blank">Sigur Rós</a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chove. Chove e faz sol. Tudo e
sempre junto. O dia inteiro catástrofe. E pequenas alegrias. Um ronco de
motocicleta violenta o silêncio das máquinas. Chove também nos pneus. Ouve-se o
gozo da água no atrito. E o assobio atrasado do pássaro. Os gatos enfileirados
na janela. O cachorro com tristeza de lua. Nada de rãs. A fome de obituário
crescendo na entrelinha. Anotação para o futuro (que já é e nesse instante não
é mais): abolir reticências. Cortejar o branco da página com a fundura. E a
beleza dos buracos negros. Um pouco mais. Um pouco mais. A quinta, a
derradeira, pendurada como judas em dia de. Chove. Chove e faz sol.
Tudo e sempre junto. A noite toda catástrofe. E pequenas alegrias.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-78320501756997461602016-02-28T12:40:00.000-03:002016-02-28T12:40:55.379-03:00O afago do mingau<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjiCkgqvhapfBJ0xs_TboeBVWYOetSrqCT6b6Uc62DnpNS3kcX7bJeST6XrBWuIG2NgqmSrlARNa2E0QMRP45KZXYP8cYxsBajvts1IL6BWY6IQjislQ-ON4DgwXFqhwCR4FmUEQibQ9Sjc/s1600/Doisneaubici.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjiCkgqvhapfBJ0xs_TboeBVWYOetSrqCT6b6Uc62DnpNS3kcX7bJeST6XrBWuIG2NgqmSrlARNa2E0QMRP45KZXYP8cYxsBajvts1IL6BWY6IQjislQ-ON4DgwXFqhwCR4FmUEQibQ9Sjc/s320/Doisneaubici.jpeg" width="315" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Robert Doisneau</span></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: purple;">Para ler ouvindo</span> <a href="https://youtu.be/hIZS6mn5HFE" target="_blank">As palavras</a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />As palavras ressoam e provocam,
sem permissão, a dança da menina. E ela gira, gira, salta entre sorrisos e
crenças distribuindo ao vento a fugaz alegria. Tão ingênuos e famintos seus
olhos! Puxo-a docemente pela mão (sinto tristeza ao vê-la entre as mandingas do
amor) e tento tirar de seu rosto, agora tomado pela criação, o riso aberto da
alma: <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
– Não se distraia, menina! O
mundo é duro, o homem é duro. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Penso em dizer-lhe, amorosamente,
de como anda volátil a vida. Mas são tão frágeis e ao mesmo tempo fortes seus
músculos, sobretudo o pequeno e rubro coração, que me retraio envergonhada. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há tempos fizemos um trato. A ela
coube a leveza da brisa; a mim o peso do concreto, essa massa cinza e
desconfiada das coisas. Mas quem, hoje, pode se fiar no bigode inexistente? (Ah,
tantas e tantas vezes ela me deixou sem chão, destruindo, com uma única palavra,
o modesto edifício que ergui à sombra de seus rodopios!).<br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sei que é sem maldade, mas o fato
é que a menina zomba de minhas inúteis tentativas de lhe educar para a vida
entre os homens: e eu, ainda sentindo na face o roçar da ponta de seu vestido
azul de bolinhas, caio cansada e muda em suas trampas. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
– E se eu te der um chocolate?
Queres mingau, farinha láctea, leite em pó com nescau?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Corro à cozinha e busco aveia, açúcar,
leite, canela. O cheiro morno toma conta da casa. Gosto das borbulhas e do
movimento rápido e preciso com a colher de pau: vigiar o fundo da panela. Deixo, então, esse calor da infância
tomar conta de mim enquanto penso (mas silencio):</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />– Menina, menina! Aquieta teu
coração, que a vida corre solta e veloz. Não há mais tempo para tuas acrobacias
na Monareta lilás. <br /><br />O mingau tem o efeito de um
abraço ou cafuné de avó. O mingau até hoje me acalma.<br /><br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-23842493139454867362015-10-10T11:51:00.000-03:002015-10-10T14:07:40.706-03:00Anotações a um amigo que parte<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkHPgtsokNoCd1LOMMhkUi5Fty706unx9iUyl5f3Bi8KGuw7SzQdufJ5BR7_jWCd1ldMtHGLU_72NfxCXQ1pO3W5VEpknOZGScFdCV6skOK5lSm6jzEZEo4VEoNzvBYEDx3ut9YmQ6TKjb/s1600/Reynaldo+Fonseca.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkHPgtsokNoCd1LOMMhkUi5Fty706unx9iUyl5f3Bi8KGuw7SzQdufJ5BR7_jWCd1ldMtHGLU_72NfxCXQ1pO3W5VEpknOZGScFdCV6skOK5lSm6jzEZEo4VEoNzvBYEDx3ut9YmQ6TKjb/s320/Reynaldo+Fonseca.jpg" width="224" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000; font-size: x-small;">Reynaldo Fonseca</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="background-color: white; color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="background-color: white; color: purple;">Para ler ouvindo <a href="https://youtu.be/-cIoCQzTm5g" target="_blank">Milton e Carminho</a> </span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Viver sustentando a carne e os
ossos. Esse frio colossal que vem do abismo espantado, do fugaz instante entre
o que se quis dizer e o que foi dito, asa de pássaro riscando o céu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
A verdade é que não há remédio
para os dias cansados, mas um copo de conhaque sempre pode lareirar as noites
frias. Dos encantos do álcool: embriaguez colorida, fortuna do velho espírito,
a pedra esquecida do peso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Não te contei dos murmúrios
castellanos. Semelhanças. Invenções. Tampouco tive tempo de te falar dos
segredos do mar – furiosa, a onda veio antes! –, esses miúdos que aqui e acolá
consigo catar na areia do tempo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
O tempo... O tempo que há, e
morre enquanto o afirmo. O mesmo que te viu nascer, e que transbordou em taças
de vinho madrugadas adentro, que encharcou de bizarras figuras os versos
escritos à espera do poema, lançou garras em meu sexo, mordeu o músculo, e
morreu sem precisão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Precisão. Dizem de Pessoa, sem
saber. Imprecisão: isso é a vida em todos os seus caminhos. E sob a tenaz
sombra, riem as fúrias. Agora mesmo, veja: gargalham minhas vilanias,
antecedendo, no riso histérico, os pecados pelos quais expiarei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Sentirei culpa? Ah, essa nódoa
cristã! Quanto açoite em nome dela. Tantos que mesmo sendo eu, levianamente,
desgarrada do bando sinto estalar entre as tatuagens das costas a invisível
vergasta enquanto um novo fantasma sussurra: “acontece
que tuas mãos eram pequenas e suaves. E tua voz, anímico retrato. Ouço-a agora
mesmo, um estribilho acompanhando a partida”.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Partes. Partiste. E partirás
sempre. <br />
<br />
Partir de onde nunca se esteve.
Imprecisões. Isso é a vida em todos os seus caminhos. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<br />
<o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-8304478126836354612015-08-26T17:36:00.001-03:002015-08-26T17:36:47.289-03:00Das luas escuras<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivNg0ODAnTR7y_RjjNROoWQLbJTNEy7xeIndD9mj4h-s-vUAXDxkbkmdg3qRD7rJ_T640H6htf4oV-XjaMTGPKPM-IditLa_T22g7E-8eadnDSu3U7j9t-i4vTMyJUCeuL5djwfek_6_bB/s1600/lua+escura.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="318" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivNg0ODAnTR7y_RjjNROoWQLbJTNEy7xeIndD9mj4h-s-vUAXDxkbkmdg3qRD7rJ_T640H6htf4oV-XjaMTGPKPM-IditLa_T22g7E-8eadnDSu3U7j9t-i4vTMyJUCeuL5djwfek_6_bB/s320/lua+escura.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Nasa</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
</div>
<div style="text-align: right;">
Para J.M.B.Cunha <br />
<span style="color: purple;">Ler ouvindo <a href="https://youtu.be/y6d-3reXpjU" target="_blank">Lua,lua,lua</a></span></div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Curiosamente não são
poucas essas luas. Nada sei de suas faces, ainda que me sejam tão caras. E acostumei-me
a cultivá-las assim, respeitando seus territórios de neblinas e sombras. Aqui e
acolá me é dado um relâmpago, espécie de senda que abre parcialmente o que
antes era apenas sonho: caminho desnuda, os pés arrastando solo frio e musgoso,
em uma terra que desconfio existir no tempo que não foi, não é, não será. <br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">De quantas mulheres são
feitas essas luas? Provavelmente minha tataravó pudesse responder, não fosse
ela mesma, um pedaço de matéria lunar. A tataravó: que imagens lacrimejavam em
seus olhos quando eu ainda não podia existir sequer em pensamento? Lua escura,
esta! Negra como o pelo do gato que atravessa o sinal na noite e esbanja, quiçá
por cansaço, a sétima e última vida. <br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">As luas, essas escuras,
senhoras dos territórios de neblinas e sombras, me guiam ao grito ou ao
completo silêncio. Uma questão de humor, imagino – flutuante, instável,
não-linear. Gostam de mato e brisa. No primeiro acredito que haja uma sensação
milenar de aconchego, daqueles que assustam e aquecem; e no segundo, a
improvável leveza. Por isso, tanto vagar! Tantas despedidas, promessas,
adeuses. Rastros que espalham, sei lá se na vida ou na alma dos outros,
partículas tão insignificantes de mim que chego a pensar que nada mais sou além
de um espectro. <br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E quantos caprichos têm
as luas! Acontece às vezes de me fazerem amanhecer inverno, quando lá fora o
sol segue a pino secando lençóis e fazendo gotejar a fronte dos que varrem as
ruas para que pareçam ser o que são: caminhos de descobertas e esquecimentos. Em
outras, adormeço verão, sentindo na pele o roçar felino do cobertor
hipoalergênico. <br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Hoje, acharam por bem
fazer-me não apenas caminhar até a beira do precipício, mas olhar para baixo: como
é grande e assustadoramente bonito o vazio! Sinto nos pés um formigamento, uma
atração nuclear, e não fosse o ato involuntário de piscar os olhos talvez minha
matéria fosse agora outra – e não esta que carrego nas mãos trêmulas, ainda úmidas
dos lamentos emprestados por mulheres desconhecidas. <br /><o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Dizem-me tanto essas
luas.<o:p></o:p></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-23172095515508866052015-04-30T18:27:00.001-03:002015-04-30T18:27:53.223-03:00Abril sem fumaça<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCWWgLVNY83ZDfm0IZl_YBsy8h2OKxtg0JttfdBjw2G-WxXmiWn1bOMTHE5Sp2S4joeSZ80TxPuvtp5zlOxEnPPQfOwxrdVwZ2JtFCWZqE3ZB73HJKr9cLxpjJUdbBL-e-yJEvxrHIpCJ_/s1600/oleg+outono.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCWWgLVNY83ZDfm0IZl_YBsy8h2OKxtg0JttfdBjw2G-WxXmiWn1bOMTHE5Sp2S4joeSZ80TxPuvtp5zlOxEnPPQfOwxrdVwZ2JtFCWZqE3ZB73HJKr9cLxpjJUdbBL-e-yJEvxrHIpCJ_/s1600/oleg+outono.jpg" height="320" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Oleg Oprisco</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="background-color: white; color: purple; text-align: left;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="background-color: white; color: purple; text-align: left;">Para ler ouvindo </span><a href="https://youtu.be/unCVi4hYRlY" target="_blank"><span style="background-color: white; text-align: left;">Yann Tiersen</span><span style="background-color: white; color: purple; text-align: left;"> </span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Gosto de abril. Descobri que é perfeito na hora de preparar
o espírito e a casa para os dias frios que logo chegarão. Lavar cobertores,
arrumar agasalhos, espalhar tapetes pelos quartos. Faz-me recordar do tear.
Aquele que passou todo o verão escondido e agora parece sussurrar: “Ainda posso
cumprir as promessas do inverno passado”.<br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por todo abril, caminhei procurando árvores nuas. Mas os
morros da ilha revestem-se de verde e apenas uma ou outra espécie rasga o céu
com seus galhos desnudos. Ainda assim, abril me enternece. Gosto do cheiro
úmido que sinto no ar, no final da tarde, e do barulho das folhas no chão,
quando arrastadas pelo vento. Tais impressões me levam a pensar na obviedade do
charme outonal. Sim, abril ficou ainda mais bonito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Mas, mesmo reconhecendo isso, não posso afirmar que o outono
seja a única razão de minha empatia. Porque a verdade é que tudo me encanta
mais nesta época do ano, esteja eu onde estiver. No Acre, terra onde passei a
maior parte da minha vida, o mês de abril chegava trazendo alegria nas últimas
chuvas do inverno amazônico. Era o fim da lama, acompanhado da abertura de
estradas e ramais – até então, isolados pela estação chuvosa. Uma trégua que
acalmaria também as tristonhas orquestras de sapos – aquietando meu coração,
tão inclinado à melancolia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />E, se eu tivesse que expressar em uma única palavra o significado
de abril, eu diria: promessa. Porque seco ou úmido, seu ar sempre exalou um
odor de espera. A espera pelo fim da chuva; por um dia de sol para secar as
roupas e, agora, pelo frio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Mas há algo, neste abril, me entristecendo. Uma voz
constante, uma contagem progressiva martelando na minha cabeça. Agora mesmo,
ela avisa: você acabou de completar 27 dias, duas horas e 35 segundos sem
fumar. Tento silenciá-la, gritando “Deixe-me em paz, quero apenas seguir
olhando abril”, mas de nada adianta. Porque o relógio invisível segue contando
os segundos, os minutos, as horas dessa agonia. E eu, que queria apenas
contemplar as manhãs de abril, sinto-me massacrada pela ausência daquele que
foi, por 17 anos, meu companheiro de todas as horas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Então saio à rua. Distribuo “bons dias” aos vizinhos e sigo
para a padaria. Lá, entre o pão e o troco, há sempre algum desconhecido
disposto a escutar-me dizer “parei de fumar”. Porque é imperioso que eu repita
isso. Não para que os outros saibam, nem mesmo para ouvir as felicitações. Mas
para que eu mesma escute. E não esqueça da promessa de que este esforço me
devolverá a respiração fácil, o olfato apurado, o paladar aguçado e um pulmão
novinho, em dez anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Até lá, sigo me esquivando dos açoites invisíveis. Das
chicotadas que cortam minha carne em meio às madrugadas, abrindo enormes
interrogações. Conseguirei escrever sem o cigarro? Ah, essa promessa que é
abril...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Abril simplesmente me soa poético. É o mês no qual mais
tempo eu gasto contemplando a chuva ou o sol.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: purple;"><b><br />P.S. </b></span><span style="color: #4c1130;">Crônica escrita em um abril perdido no passado e incluída em meu livro <i>Indagações de Ameixas </i>(Multifoco, 2011). </span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-72531768754698770242015-04-23T12:49:00.000-03:002015-04-23T12:49:06.902-03:00O Cáucaso felino<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2VcrBfVdujH8vH3OUhunSb2pl7AbTjDxNP70uSY977iwKkAHK59xYRF8QE0P6Iyrrs_fgR1BwnNOD7X_pam2Z1MlJ71EZxKB8eja_XpMqNPC1gPSZ0HSnEvqdslctIAK_ej9kL5b0ZBjo/s1600/Dan.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2VcrBfVdujH8vH3OUhunSb2pl7AbTjDxNP70uSY977iwKkAHK59xYRF8QE0P6Iyrrs_fgR1BwnNOD7X_pam2Z1MlJ71EZxKB8eja_XpMqNPC1gPSZ0HSnEvqdslctIAK_ej9kL5b0ZBjo/s1600/Dan.jpg" height="216" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Dan Marbaix</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acontece em dias como o de hoje,
quando a chuva mancha de cinza o céu e os carros no asfalto se assemelham ao
tique-taque dos antigos relógios, de eu despertar pensando na vida. Isso
inevitavelmente me leva às miudezas do cotidiano. Portanto, leitor, se você se ocupa
com coisas grandes e não tem tempo a perder, sugiro que deixe de lado este texto:
é pequeno e inútil o que vou contar. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Trata-se da desventura do gato da
vizinha. O bichano, que a partir de agora chamarei de Prometeu, chegou à casa
de baixo acompanhado de seus donos (um casal e duas crianças), uma cadela e dois
filhotinhos de pastor alemão. E porque há uma predisposição a respeitar aqueles
que dividem suas camas com os animas, sobretudo cachorros, os demais moradores
da rua não tardaram a alegrar-se: que bela família! <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Devo confessar, não sem uma ponta
de pudor, que cheguei a sentir inveja: os novos vizinhos ressaltavam a minha
inabilidade com os cães e ao vê-los reunidos harmoniosamente entre 12 patas
caninas, eu me sentia menos gente. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não tenho dúvidas de que tal
sentimento teria crescido a ponto de me prostrar, não fosse o apego que tenho às
misérias do cotidiano. E é aí que entra o Prometeu. Uma semana após a instalação
da família e com a rotina da casa já extravasando as paredes, pude saber,
graças ao pobre felino, do horário em que as crianças vão à escola e do tempo
que passam investigando o mundo na ausência dos adultos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Agora, por exemplo, tudo é
silêncio lá embaixo. Logo mais, o portão de ferro irá ranger, os cachorros
latirão, ouvirei em seguida uma pressão maior na porta de madeira e vidro –
será um chute do pequeno? – sugerindo que a mesma está emperrada, e depois o
barulho das tampas das panelas e o riscar dos talheres nos pratos. Em seguida,
a televisão será ligada e dependendo do humor entre os irmãos, a disputa para a
escolha do canal se dará em meio a gritos e o aumento ensurdecedor no volume do
aparelho. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O vencedor é dado a conhecer graças
a Prometeu. Não fico feliz em constatar isto, mas após seus exaustivos e
agonizantes miados, cheguei à conclusão de que quando o trono televisivo é do
irmão, a menina afoga sua ira no bichano. No primeiro dia que o escutei gritar,
corri escada abaixo pensando que o filhote estava sendo açoitado pelos cães. E
mal pude disfarçar o terror ao vê-lo engasgado nas mãos da menina: “Faça isso,
não, minha flor. Desse jeito você vai matar o bichinho”, tive vontade de dizer,
mas confesso que parei na primeira frase. E ao ver aqueles pequenos olhos
brilhando de satisfação, voltei para casa me sentindo vazia e desconfiada da
inocência das crianças. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o passar dos dias, descobri
que uma pequena de cinco anos pode ter muita ira para afogar. E a julgar pela
condescendência paterna – acho que não contei antes, mas cheguei a descer em
outra ocasião e encontrei-a enforcando o gato ao lado do pai –, a origem de tal
sentimento não se limita à escolha de um programa televisivo.<br /><br />Desde então, me aflige o destino
de Prometeu. E minhas tardes, antes silenciosas, são agora como o bico da águia
mitológica: uma eterna promessa de morte. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-28738557284007796752015-04-16T19:42:00.001-03:002015-04-16T19:56:29.655-03:00A morte e seu chicote<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDYlaqiNs8mzGqJ8kwQfakXJaGn5SdrgVJNvBB1eX9KKjXYAQ2G6gmRfHPqa7brLvVFDzB_7pY3mnZuPs8rH3HA0iZgG4snOj2zrKfi074tNUPw13bPmjIDZYettQPjaU1Xd4Xbn1Yn-Hq/s1600/doisneau.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDYlaqiNs8mzGqJ8kwQfakXJaGn5SdrgVJNvBB1eX9KKjXYAQ2G6gmRfHPqa7brLvVFDzB_7pY3mnZuPs8rH3HA0iZgG4snOj2zrKfi074tNUPw13bPmjIDZYettQPjaU1Xd4Xbn1Yn-Hq/s1600/doisneau.jpg" height="320" width="310" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Robert Doisneau</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não sei do que se passa com os
anjos, mas parece que eles gostam de festa. Tal ideia me vem à
cabeça em dias como o de hoje, quando junto à chuva recebo a notícia de que
mais um conhecido se foi. A morte, sempre tão estúpida, surge, então, a minha
frente como um letreiro iluminado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Vago, sem querer, na infância – quando
o pensamento de tornar-me órfã era uma necessidade de experiência. E como se no
exercício da ficção fosse possível aprender a domar o vazio, eu fechava os
olhos e imaginava a vida sem pai ou mãe. Miúda, miúda dor. O desamparo brotando
em lágrimas e, demorasse mais um pouco, em choro convulso. E o que sabia eu da
morte? Nada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
“Você será viúva cedo”. A sentença
foi dada por uma cartomante, tinha eu, sei lá quantos anos! De fato e de
direito, nunca fui viúva. Mas não deixo de pensar nos amores e sonhos que enterrei
– não arrisco contabilizá-los porque tenho horror a tumbas! – ou nesta face
branca, marcada por profundas olheiras, que me acompanha e vez ou outra
sussurra para que eu não esqueça: Já não estou contigo, já não estou contigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
E o que é a morte diante de tanta
presença? Porque o cheiro permanece, acredite. E vem nos visitar nas horas mais
distraídas. Então o abismo abre sua enorme boca, vertigem. Desejo de mergulhar
no rio do esquecimento, onde não há o cheiro, onde não há a voz, onde não há o calor.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
O nada parece ser o chicote da
morte. E ela, senhora das sombras, usa-o sem dó ferindo nossas costas, tão
carentes de abraços; as mãos, os pés em noites de frio. <br /><br />É esse chicote que ouço
estalar quando o cheiro dela roça minhas narinas. E me transporta, a despeito
da dor, para aquela sala de cimento queimado, onde na grande mesa ela servia os
pratos com a comida fumegante. E perguntaria com doçura: você quer que eu faça
ovos estrelados? Sim, eu gosto de ovos “estrelados” – jamais ousei corrigi-la! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
E então, a despeito de ser
quinta, me dou conta de que o nada ocupou todo o espaço. E é esta, pelo menos
até agora, a única coisa que posso dizer da morte: o mundo fica um pouco menor.
<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-20739335702564032962015-04-09T17:16:00.000-03:002015-04-09T17:16:11.605-03:00Fim de jogo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiv44XcEoRycujVuNex8sHiFiyviSZZynB66ZbRWeSTCgjcV0yR6SLzRUSlQTScmMms6zpksuPVfgAr21-ikFex_sDR4ICuLsLFYY66B02iTs25I4ELbxreQjb3Q9bdmI7awHgStU61H6F2/s1600/fritz.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiv44XcEoRycujVuNex8sHiFiyviSZZynB66ZbRWeSTCgjcV0yR6SLzRUSlQTScmMms6zpksuPVfgAr21-ikFex_sDR4ICuLsLFYY66B02iTs25I4ELbxreQjb3Q9bdmI7awHgStU61H6F2/s1600/fritz.jpg" height="213" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Cena do filme <i>Dr. Mabuse, o jogador</i>, de Frtiz Lang</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acho que foi Rubem Alves quem disse
que há dois tipos de casamentos: aqueles onde o casal joga tênis e os que se divertem
com o frescobol. Lembrei-me de sua crônica esses dias. E não exatamente porque
tenho pensado ou queira falar sobre casamentos – até porque, a julgar pelos que
colecionei e tendo em vista o que pensa o Rubem a respeito, eu seria uma exímia
tenista – mas por uma súbita necessidade de refletir sobre o jogador. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dizem as más línguas que alguns
tios distantes – e quando digo distante me refiro a irmãos de minha avó
materna, portanto, tios de minha mãe – dilapidaram na mesa do jogo não só as
fazendas, mas também a dignidade herdada por bisavós que não conheci. A
história, contada em ocasiões raras na família envergonhada, me atraía desde os
tempos de menina. Não o desfecho em si, mas o fato de saber que antes dele
havia a miséria a qual foi relegada minha avó após ser deserdada por haver
escolhido casar com alguém que não era o primo prometido e arranjado. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas confesso que com o tempo, e
somente depois de ter escutado muitos e muitos “causos” onde minha mãe
experimentava na pele o desprezo dos avós ricos, senti certo regozijo ao
imaginar o fim daqueles que antes a maltratavam: o casarão antigo tinha dado
lugar a uma tapera de chão batido, onde dormitavam moscas e ossos tristes em
redes. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo, tudo deixado em alguma mesa
de jogo, entre guimbas e garrafas vazias. O bisavô, homem duro e tão cheio de
caráter, escapou de ver esse fim. Mas a vozinha – é assim que aprendi a chamá-la,
mesmo sem nunca ter dela visto nem sequer uma fotografia – não teve a mesma
sorte e deu seu último suspiro, quase aos 100 anos, sob o peso da derrota, da
pobreza e da fraqueza dos filhos homens que ela mesma tinha parido e criado. <br /><br /><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bem mais tarde, deparei-me com o
jogador de Dostoievski. No corpo de então, as memórias eram outras e nada tinham
a ver com a infância de minha mãe, o castigo de minha avó ou as alegrias e agruras
da distante família latifundiária – aquela cujo destino acabou sendo decidido
no pôquer. <o:p></o:p>Era de mim, que falavam. E era em mim que doía Alexei Ivanovitch!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Doía porque descobri ter certa atração por essa
paixão feroz que consome àqueles que se sujeitam a deixar que a sorte os diga
da vitória (ou da derrota). Doía porque eu já havia experimentado deixar na
mesa minhas esperanças, alegrias e sonhos – ou toda a minha riqueza.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Fui, então, e por muitos anos, um
Alexei Ivanovitch do amor. Com uma atração medonha em entregar nas mãos de
outros jogadores, sempre mais hábeis do que eu, minha credulidade. O que
significa não somente rasgar a roupa e mostrar-se nua, mas, sobretudo, abrir a
porta da alma e deixar que olhos indignos espiassem os fantasmas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Ah, e tantas eu fiz! E quantas
noites eu chorei as migalhas que sobraram nos bolsos dilapidados por esses
jogadores! Isso até o dia em que me dei conta de que não havia nascido para
dividir minha solidão com aqueles que de tão tristes, precisam jogar para experimentar
o que é estar vivo. E que se alimentam da voz do outro; dos sonhos do outro;
das memórias do outro; dos desejos do outro; dos olhos e da alma do outro. E
depois, entre as quatro paredes que os abrigam, sentem-se vazios – mesmo
trazendo nas mãos os pedaços do outro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Verdade é que às vezes ainda me
deixo ficar como brinquedo de um jogador. Mas só o tempo necessário para me
fazer recordar o quanto vale o que sou e o que tenho na essência. Ou, quem
sabe, para reviver o regozijo daquela velha história de família, sobretudo o seu
final. <br /><br />É torpe esta confissão, eu sei.
Mas isso apenas do ponto de vista cristão – porque do fundo das fraquezas
humanas, é doce ver a derrocada daqueles que, um dia, foram nossos carrascos. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-56609040253020559682015-04-07T13:20:00.000-03:002015-04-07T15:14:21.750-03:00A vida é besta<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzSQ6K_ousthCP0VT6w92739zCz7BU5xFlk0GXouhzeMv-yyrBZAuTLzpGqVGTTNw1EzrkmsAgJVliVrhKzguNeyqOuM8mTeOh78QYPZEvdJvHd4RAuAjFDIav7Y3z-YLYyoU3rlhtjbOz/s1600/sebastiao+salgado.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzSQ6K_ousthCP0VT6w92739zCz7BU5xFlk0GXouhzeMv-yyrBZAuTLzpGqVGTTNw1EzrkmsAgJVliVrhKzguNeyqOuM8mTeOh78QYPZEvdJvHd4RAuAjFDIav7Y3z-YLYyoU3rlhtjbOz/s1600/sebastiao+salgado.jpg" height="156" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #f1c232;">Sebastião Salgado</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #f1c232;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: purple;">* Para ler ouvindo <a href="https://youtu.be/xr8ol8ufSRg" target="_blank">Nina</a> (ou Beatles)</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: purple;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“A vida é besta, minha filha. <i>Cousa</i> sem medida”. Os olhos dela
fisgavam meus pensamentos sem que eu deles nada soubesse. Falávamos de coisas
perdidas. Ela, um filho; dois, três, quatro contando com a pequenina que já
veio ao mundo dizendo adeus. <br /><br />Dor sem tamanho, imagino. Meu corpo expulsou um há
pouco mais de oito anos. Vinha fadado ao silêncio, como bandeira de guerra fincada
no final da batalha. E eu chorei. Mesmo sabendo que não o queria. Que não
havia, naquele amor que premeditava o adeus, espaço. Sábio é o corpo de uma
mulher. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Estávamos no meio do terreiro. Do
outro lado a vista alcançava o rio e suas cobras, e seus peixes, e suas iaras. E
ela ali, de cócoras, mascando um fumo forte, as veias das mãos esculpindo
memórias indisfarçáveis, as rugas como sulcos de uma vida inteira destinada a terra.
Quis dizer-lhe dos flancos que deixei nas casas dos homens. Mas não julguei
conveniente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Então um manto de mudez nos
cobriu. E eu sabia que sob ele ambas lutavam para não sucumbir às turvas águas
que aprendemos a disfarçar na docilidade dos olhos. Preguei minha retina na
dela e fui descendo o olhar pela face que não estava mais ali, senão como uma
estátua de cera. Inútil tentativa de me deixar ficar. De resistir ao inferno
que abria suas portas para mim e que logo me deixaria nua, como os pequenos
barcos e as plantas rasteiras que não resistem à força da pororoca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Meus diários. Minhas fotografias
de infância. Minhas cartas. Meus primeiros livros. Minhas pinturas. Meus bilhetes
– e tudo o mais que poderia dizer do que eu fui – deixados em uma casa amarela
para a qual jamais retornei. Aquela casa que, na inocência do amor, ajudei a
erigir. Tijolo por tijolo. E depois a hera, que subiria pela chaminé externa; e
as hortênsias marcando o caminho que bem poderia levar aos céus. <br />
<br />
Mas ah, como podem
ser breves e inesperados os amores!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Mais tarde julguei que pagaria
minha dívida ao permitir a divisão de outro corpo amado – e foram tantas as
camas, tantos os pisos sujos de álcool que perdoei! Depois, como que sabendo
ser somente meu o caminho, deixei crescerem as ancas, os seios fartos de leite,
o ventre aberto e o choro final que até hoje parece dizer de mim. <br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
(Ela permanecia quase imóvel, não
fosse o fumo que mascava: “Me salve”, quis dizer-lhe)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Aos 32 anos, ou um pouco antes, a
vida cobrou-me novos juros, implacável como os bancos. E naqueles braços,
naquele peito, naqueles olhos de maresia foram rasgados mais que flancos. Ali,
sangrei até quase a morte. Ali ficaram a minha credulidade e a disposição de
amar sem medida – não antes que eu ouvisse o grito daquela que morderia o bico
dos meus seios como se avisasse: eis aqui a tua herança deste amor que, logo
mais, te cobrirá de luto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Ah, essa coisa chamada
esperança... Vejo-a morrer lentamente, sempre ao lado de olhos obscuros,
fugitivos. Um luto eterno que disfarço ao vibrar com o mar, o azul do céu, o
canto dos pássaros, o verde das árvores, as flores do ipê, o brilho dos olhos
de minhas pequenas. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essas que compartem comigo a
solidão e a força para seguir em frente. E que um dia sentirão, sem que eu nada
possa fazer, sangrar também o coração.<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-71096892705305236612015-04-06T09:11:00.001-03:002015-04-06T09:11:29.425-03:00Carta a um leitor<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGTClwMlJGgM5D8PSeNepweQDbRKWOHz7g_IlFUobHZbICxJ9AyYuiHHOR3pVGkWDrDl33rH6gMqT1GURuY8ldcBw35qv4ipNIR4BffvliDSymnd7NmA0wWdciGIxBf5MUsM6YS24qq_VO/s1600/charles.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGTClwMlJGgM5D8PSeNepweQDbRKWOHz7g_IlFUobHZbICxJ9AyYuiHHOR3pVGkWDrDl33rH6gMqT1GURuY8ldcBw35qv4ipNIR4BffvliDSymnd7NmA0wWdciGIxBf5MUsM6YS24qq_VO/s1600/charles.jpg" height="213" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Charlie Hamilton James</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Você que às vezes me lê e que ao
catar as palavras me descobre um tanto nua. E que talvez ria, comigo; e que talvez chore,
comigo – julgando, no silêncio da sua cadeira de balanço, saber de mim. Ah,
quisera eu repartir-me assim! Mas há nos bosques sombras que desconheço.
Sinto-as em dias como o de hoje: as garras úmidas grudadas em meu corpo
enquanto lá fora tudo é luz e segue bonita a vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />E eu já quis prescindir de você.
Mas vives, desconfio, nesse mundo subterrâneo onde perambulam os meus
fantasmas. E és feito da mesma matéria que os medos sem rosto ou cheiro (não
sei de onde essa necessidade de cultuar os mortos, de prolongar uma existência
cuja missão parece ser a da tormenta). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />A vida podia ser mais simples.
Despertar cedo, lavar a louça, varrer a casa, fazer o almoço. Mas ao invés
disso, minha alma pede certa desordem. Então perco a hora, deixo a poeira por
mais um dia no piso vermelho, esvazio os copos limpos do armário e peço uma
marmita. Em seguida vem a necessidade de me redimir. O que me leva,
invariavelmente, a faxinar a casa (como se assim eu pudesse limpar o limo de
minhas lembranças).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Olho então minhas filhas e fico
imaginando o que de mim permanecerá nelas. Meu abraço é tão largo e quente!
Lembrarão, elas, disso? E sinto o desejo de contar-lhes dos descaminhos, mas a
ternura e o amor não deixam. Então as sufoco com meus beijos, minhas desculpas
derramadas em bilhetes que se acumulam na geladeira: que espécie de mãe é você?
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />O mundo parece tão vasto. Busco,
em vão, encontrar palavras para enfeitar a tristeza. E agarro do silêncio para
temperar as vírgulas fora de lugar. As reticências... Como promessas que nunca
se cumprem. E qual será o meu fim? Para onde, afinal, tenho caminhado? Eu
gostaria de dizer que ando em direção daquela casinha de madeira, pintada de
verde e vermelho, cravada entre o mar e a montanha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />Mas a verdade é que não sei do
caminho. <br /><br />E enquanto o sol se desnuda nesse
dia cheio de brisa e céu azul, enquanto as garras crescem em força e estão a um
segundo de me sufocar, enquanto dormem minhas filhas, enquanto ronrona meu
gato, me deixo morrer um pouquinho na fumaça do cigarro. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-2478244293000288532015-03-05T11:37:00.000-03:002015-03-05T15:47:39.764-03:00Palimpsesto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9LidMOWCzCFf4gBcRLbtNQ4atUzcXRlQkfxb6ux8RuK8a32za5vw-ew8OGg4hzjbIEUf4K9utUWMJLLS8RxgMhQ5qZ_iRek2dGDcIyuHtGUm5Xd9_OfN-NrOJw5TrNFGmrWcGFtlUhuSG/s1600/marcos+vicentti.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9LidMOWCzCFf4gBcRLbtNQ4atUzcXRlQkfxb6ux8RuK8a32za5vw-ew8OGg4hzjbIEUf4K9utUWMJLLS8RxgMhQ5qZ_iRek2dGDcIyuHtGUm5Xd9_OfN-NrOJw5TrNFGmrWcGFtlUhuSG/s1600/marcos+vicentti.jpg" height="206" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Marcos Vicentti (Alagação Acre/2015)</span></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Minha alma amanheceu empoeirada. Olho
ao redor e busco arrumar a casa, como se a tarefa fosse o bastante para dar
conta das confusões do espírito: aspirador de pó, lençóis limpos, louça lavada,
lixo recolhido, mesa organizada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Mas a despeito do tempo gasto e
dos cuidados, resulta inútil o ingênuo esforço. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Busco então olhá-la com o mesmo
amor que derramo nas filhas. Pego-a no colo e envolvo-a num estreito abraço. A
alma treme. E tenho a impressão de que irá desabar. “Não faça isso, querida”,
sussurro lembrando-lhe de que esta é uma prerrogativa dos que contam com a
segurança de um porto – nau sem porto, minha alma. Nau sem pátria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Tão profundos seus olhos. Vejo
neles a cor barrenta dos rios, e agora inúmeros balseiros – quantos soluços
emaranhados nessas ilhas de esquecimento? Quantos troncos retorcidos pela
ausência? – em rota de colisão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
“Mergulhe não, moça” avisou-me, certa vez, a
velha senhora. E deste então dei respeito ao medo. Mas e ela, o que sabe das
Iaras? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Da janela, o mar e os telhados
assombram o que a alma cala: tudo é rio e cheia. <br />
<br />
(Posso morrer engasgada com as
palavras. Ou alagada)<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-43582262840206634092015-02-05T21:59:00.000-02:002015-02-05T22:07:25.929-02:00Branca nuvem em céu escuro<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLIGdXhbd3jR99paoP8ATif3Pduk7JgGuFOIzVZmhnyU-Lqr7QLiyMDIT-at-EYj0Le7Y-V_IKlTfDZKR15LFKoqXf0YI1FhlLJLQ7VVnw_KFY8Ntn5RBw8G3k5dm7K7KvHO8k0Mt6N-Zz/s1600/BertHardy.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLIGdXhbd3jR99paoP8ATif3Pduk7JgGuFOIzVZmhnyU-Lqr7QLiyMDIT-at-EYj0Le7Y-V_IKlTfDZKR15LFKoqXf0YI1FhlLJLQ7VVnw_KFY8Ntn5RBw8G3k5dm7K7KvHO8k0Mt6N-Zz/s1600/BertHardy.jpg" height="232" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Bert Hardy</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Afasto-me do burburinho, dos
lero-leros. Das distrações que desencavam, em mim, a fome pelos equívocos. Vejo
morrer, sob a poeira invisível dos simulacros, a doce lembrança do cheiro alecrim
e a rota incerta das pequenas mãos, a sapiência da língua.<br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo ao redor vai se refazendo no
silêncio: escuto, então, o brinquedo da filha da vizinha caindo no chão; a
cadeira arrastada; a tampa da panela que arranha o fogão; as rodas dos carros
roçando o asfalto molhado; as gavetas abrindo e fechando; o bocejo do morador
ao lado; um ou outro passarinho clamando colo quente. <br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há em mim agora uma ausência completa.
Uma coleção de interrogações penduradas nos galhos das jaqueiras e mangueiras que
trouxe da infância e plantei na alma. Fazem sombra, as árvores. Em dia de sol,
deito-me esquecida do mundo sob elas. <br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lá no mar, um barco ancorado
desencava memórias. Não é de pescador, não é turístico. De onde vem esse barco?
Para onde vai? Meus olhos estirados até ele, como se esse prolongamento fosse o
bastante para que eu me sentisse a bordo. Quanto tempo mais?<br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E então as cigarras pressentem a
brecha das nuvens e cantam uníssonas. Os pássaros não se animam
a acompanhar. Devem ter cochilado, aninhados na herança deixada pela noite que
se foi.<br />
<br />
Tudo é branco lá fora. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-83493410536955875332015-01-29T23:04:00.001-02:002015-01-29T23:04:50.185-02:00Sobre a possibilidade de morte<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnwvqQG8xvoj75Fl3qhRguemW5tK8aBdSOrNI_QKICDvBzqCQjbBydrXd31KEKEFOHKPTmRcZTyumDHQc9GrsrnIZtwentTSa7q7mSSPCfDTw23LmgL9LkSb9LHYNdCF-pcMf894h1d4Bu/s1600/quinta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnwvqQG8xvoj75Fl3qhRguemW5tK8aBdSOrNI_QKICDvBzqCQjbBydrXd31KEKEFOHKPTmRcZTyumDHQc9GrsrnIZtwentTSa7q7mSSPCfDTw23LmgL9LkSb9LHYNdCF-pcMf894h1d4Bu/s1600/quinta.jpg" height="319" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Mario Algaze</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: left;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Antes que morra o dia, eu lembro: é quinta. E nada tenho para contar, além do silêncio. Este que agora fere os ouvidos da alma. O corpo treme. Lá fora os mensageiros tocam seus sinos. O vento dança, balança, alcança o topo das árvores. Ancestralidade sem rastros.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-896824364379550425.post-52403843640313589782015-01-15T11:33:00.001-02:002015-01-16T22:10:00.781-02:00El mundo amarillo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ4E1hsTr_jsw_SBNclx8jdiksl-mVJvsA3NnzftsV2qhh1sShFmgcy0bulDLuuzUlJ2ojraOv3a2yJbHGrHFxrjy9sNJnyLugem-_xh4Vy6t_UWiTH6q0Dd9hbwwb9OIP-_NZHD210AJX/s1600/Bert+Hardy.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ4E1hsTr_jsw_SBNclx8jdiksl-mVJvsA3NnzftsV2qhh1sShFmgcy0bulDLuuzUlJ2ojraOv3a2yJbHGrHFxrjy9sNJnyLugem-_xh4Vy6t_UWiTH6q0Dd9hbwwb9OIP-_NZHD210AJX/s1600/Bert+Hardy.jpg" height="220" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;">Bert Hardy</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 16px; line-height: 18.3999996185303px;">Tenho acordado cedo. Troquei a madrugada pelas lambidas do sol, que se arrastam pelo mar antes de me alcançarem na cama. Dia assim, hora assim, dá pra escutar as ondas quebrando. Os carros deixam. Seus motoristas aproveitam as férias: dormem tarde, saem para a praia no sol de rachar, permitindo certo silêncio nas ruas. Eu gosto. Gosto do silêncio para poder escutar os cochichos do mundo. Este, cujos sentidos das gentes, andam esquecidos de perceber.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 18.3999996185303px;"><br />Veja essa luz, por exemplo. É tão amarela, diferente da brancura que hoje invade as salas e as telas pelas quais vão sendo filtrados os simulacros da vida de cada um.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 18.3999996185303px;"><br />(desconfio: morrer é viver nesta luz branca, em meio a sorrisos, saltos, batons, alegrias, consumos e vitórias e vitórias e vitórias. Morrer não é mais dar um último suspiro, um adeus aos que nos querem bem. Morrer é perpetuar-se no branco espetáculo das telas – e seus diferentes modelos, recursos, promessas).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 18.3999996185303px;"><br />Sob a luz amarela ouço os passarinhos cantando, acompanhados pelo coro das cigarras. Andam felizes, elas. Até esqueço o medo que sinto quando uma resolve perder-se nas paredes da casa, zumbindo frenética enquanto as asas batem velozes. Gosto de ouvi-las nas árvores. Agora, por exemplo, há um bando espalhado entre o ingá-de-macaco, a quaresmeira, a jaqueira e outras espécies que desconheço o nome, mas fazem do morro meu pedacinho distraído de floresta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 18.3999996185303px;"><br />É também sob a luz amarela que vivem o seu João, da farmácia; a Cida, da padaria; a Cris, a Toinha e o Luciano, do mercadinho; os garis, os vizinhos que dão bom dia, os vendedores de frutas, os pescadores, as costureiras; e os verdadeiros incêndios da alma.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 18.3999996185303px;"><br />O mundo não é essa brancura estéril. O mundo é onde moram os bichos, as plantas, as gentes. É esse cotidiano, ora triste, ora alegre. É o suor escorrendo na testa e borrando a cara de quem se disfarça. A mancha e o buraco na camisa escolhida às pressas; o sapato que aperta; a chinela que fere; o lixo esquecido. É a gritaria da molecada; os pelos dos cachorros e gatos pela casa; a bagunça da mesa, dos quartos; a louça na pia da cozinha e as negociações para ver quem dela se livrará. São as lembranças que guardamos em caixas, pastas, baús. Ou naquele canto recôndito da alma.<br /><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 18.3999996185303px;">O mundo, tão bonito de ver, é essa luz amarela onde a vida escorre. Escorre em choro, em sangue, em fúria, em sofrimento, em injustiças. Mas também em risos, abraços, amores e solidariedade.</span><span style="color: #bf9000;"> </span><span style="color: #bf9000;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #bf9000;"><br /></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com1