quinta-feira, 30 de julho de 2009

Grandes escritores

Tony Koukos

No começo do ano uma colega do curso de Letras perguntou à professora de Teoria da Narrativa por que só havia grandes escritores (homens) na literatura. Lembrei disso, juro, não porque a casa está uma bagunça, o chão precisa ser varrido, as crianças estão de férias e há uma pilha de louça na cozinha esperando ser lavada. Mas porque não consigo imaginar Virginia Woolf (nem qualquer outra grande escritora) esmagada pelo cotidiano triste e sem esperança da vida doméstica.

Corro o risco, eu sei, de ser mal interpretada com o que vou dizer agora. Mas vamos lá: acho que boa literatura pode nascer do desvario, do descaso, da desesperança com o mundo, do medo, da violência, da fome, do sofrimento, da paixão. É possível até que nasça da alegria, do amor, da constância, do desejo, do sonho, da ternura, da esperança. Mas nunca, nunca da monotonia do lar – mesmo no caso de autoras que revelam, em sua poesia, o dia-a-dia da moça na janela, na cozinha, no pomar.

Porque não se faz literatura com o feijão no fogo. E por uma razão muito simples: escrever é esquecimento. E nada me convence do contrário. Muito menos declarações como a que o Cristóvão Tezza deu quando participou do Projeto Dedo de Prosa, na Universidade Federal de Santa Catarina. Eu não morava ainda em Florianópolis, mas li a entrevista no site do autor e ri quando ele disse que enquanto escrevia o Trapo estava desempregado e apenas a esposa trabalhava. “Eu era o dono-de-casa, ao invés dela (a esposa) ser a dona-de-casa”.

Até aí, tudo bem. Afinal sabemos que existem homens que ajudam a cuidar dos filhos e até dão uma mãozinha com a louça do almoço ou do jantar. Agora quando o Tezza explicou que o livro foi todo escrito na madrugada – das 10h às 3h da manhã –, pensei: esse dono-de-casa tinha uma ajudante! Ora, não conheço ninguém que consiga, depois de passar a madrugada produzindo literatura, levantar às 7 da manhã, fazer o café, arrumar as crianças pra escola e começar a ver o que será o almoço do dia!

É triste admitir, mas são forças muito distintas a da literatura e a do lar. Sei que em ambas residem o amor e a necessidade de entrega. Mas ao contrário do lar, a literatura não cobra horários fixos, bom humor, tranqüilidade. Arrisco dizer, até, que ela pede um pouco de desordem. Não a desordem das coisas ou dos sentimentos, mas uma desordem temporal.

Por outro lado, ela também é tirana: não há como encaixá-la em intervalos. Sei que parece incoerente, já que acabei de dizer que a literatura não cobra horários. Mas é que a ela não interessa senão o tempo inteiro, o tempo todo, o tempo necessário para que a vida surja nas folhas ou na tela.

Um tempo que não pode concorrer com a louça suja na pia; com o tempo de coar o café, comprar o pão, colocar a mesa. Nem tampouco com o de separar as roupas sujas, lavá-las e depois estendê-las. Ou com o tempo que a água leva para ferver, no fogão, até que possa ser usada para fazer o arroz; o tempo de descongelar a carne, o frango, o peixe; o tempo de ver que o óleo acabou e que precisa ir ao mercado.

Ah, como é triste e sem poesia o tempo do lar!

E antes que algum leitor pule indignado com minha opinião sobre a vida doméstica, explico logo que acredito na existência de almas superiores, capazes de encontrar poesia na louça, nos tapetes empoeirados, nos vasos de plantas, na cozinha. Eu, infelizmente, nunca tive propensão à superioridade – seja lá de que espécie! Sou uma alma fadada às misérias mais humanas: raiva, fome, desesperança, ciúme, medo, inveja, preguiça. Uma presa fácil para o diabo, uma alma com lugar certo no reino subterrâneo.

3 comentários:

Anônimo disse...

sinto minha cara...
pois estás mais redonda que enganada.
há poesia, escrita e falada, dentro do lar, assim como a poesia de Cora Coralina!

Lu Gomes disse...

Não há porque pesar! Pois, existem "almas superiores e almas fadadas às misérias humanas" (e admitir isso, é um ato superior!). Assim, viva a pluralidade dos sentimentos, da poesia, da arte!!! E viva também à Cora Coralina e Adélia Prado, com certeza, almas pra lá de superiores.

Márcia Corrêa disse...

Em tudo há o tempo. O tempo de Cora e de Adélia, o tempo de Vássia, nosso tempo. Parece mesmo incompatível, mas você é o paradoxo. Faz literatura da boa com a panela de feijão no fogo... ou será que deixa queimar toda quinta?