Cartaz do filme Depois de Horas
Não me lembrava da chuva. Do
terreno abrindo-se em lagos, pontilhado por vestígios de areia, a
cantoria dos sapos, o som das telhas rangendo com o vento e essa tristeza de
final de festa, quando meus olhos, grudados na vidraça, espiam o mundo lá fora.
Eu comprei um despertador antigo,
daqueles que é necessário dar corda para que o tempo ande. Olho-o agora. Ele
está parado, sabe-se lá há quantos dias. Marca 4 horas, embora a noite esteja
apenas começando.
A porta do quarto geme. Irrita-me
o vai e vem sonolento dela. Decido buscar na cozinha um pouco de óleo, mas o
relógio me aquieta. Faço então as contas, penso em quantas vezes terei eu que
dar-lhe corda. Como cansa animar o tempo, não?
E então a chuva rompe a fina
madeira que mandei colocar nas frestas da janela. Bem em cima da mesa onde
espalho os livros, anotações, papeis que de alguma maneira me são úteis. A água
escorre pela parede, enquanto num esforço quase hercúleo, arrasto a mesa para
longe.
O relógio continua parado.
Tenho vontade de gritar para que a chuva acompanhe esse não movimento. Mas
estou sem forças. Como se meus braços fossem agora aqueles ponteiros,
carecendo de corda e atenção.
Não me lembrava da chuva. Talvez
por isso tenha comprado um despertador antigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário