quinta-feira, 21 de março de 2013

O despertador na chuva


Cartaz do filme Depois de Horas

Não me lembrava da chuva. Do terreno abrindo-se em lagos, pontilhado por vestígios de areia, a cantoria dos sapos, o som das telhas rangendo com o vento e essa tristeza de final de festa, quando meus olhos, grudados na vidraça, espiam o mundo lá fora.

Eu comprei um despertador antigo, daqueles que é necessário dar corda para que o tempo ande. Olho-o agora. Ele está parado, sabe-se lá há quantos dias. Marca 4 horas, embora a noite esteja apenas começando.

A porta do quarto geme. Irrita-me o vai e vem sonolento dela. Decido buscar na cozinha um pouco de óleo, mas o relógio me aquieta. Faço então as contas, penso em quantas vezes terei eu que dar-lhe corda. Como cansa animar o tempo, não?

E então a chuva rompe a fina madeira que mandei colocar nas frestas da janela. Bem em cima da mesa onde espalho os livros, anotações, papeis que de alguma maneira me são úteis. A água escorre pela parede, enquanto num esforço quase hercúleo, arrasto a mesa para longe.

O relógio continua parado. Tenho vontade de gritar para que a chuva acompanhe esse não movimento. Mas estou sem forças. Como se meus braços fossem agora aqueles ponteiros, carecendo de corda e atenção.

Não me lembrava da chuva. Talvez por isso tenha comprado um despertador antigo. 

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