Ermelinda de Almeida
* Para ler ouvindo Ceumar
Casei
dezenas de vezes. Tive muitos noivos, centenas de primos, vários irmãos. Tudo de fogueira.
Era uma alegria pulá-la! A molecada toda reunida ali, no meio daquela chama flamejante que ameaçava queimar as pontas das saias e dos calções: São João disse, São Pedro confirmou que você é meu noivo que Jesus Cristo mandou.
Junho tinha, então, um colorido diferente. E não apenas pelas bandeirolas que enfeitavam as ruas, mas o cheiro, uma promessa de fogo que já incendiava minha alma. Era o tempo em que a igreja abria as portas para a perdição: meu deus, como era animado o arraial da igreja! Fosse onde fosse, tinha aquele gostinho de pecado bom: correio-do-amor misturado ao milho.
Ê, calorzinho arretado que dava no corpo! Tempo em que as avós e mães uniam a memória para ensinar às meninas simpatias de amor: papel colado na palma do pé; faca enfiada na bananeira; e, claro, os (in) falíveis castigos ao pobre santo – Minha avó tem lá em casa um Santo Antônio velhinho. Em os moços não me querendo dou pancadas no santinho.
De todos os pecados juninos, o que mais resisti foi à maçã-do-amor – tão vermelha e perfeita... E eu nem sabia o que era luxúria na época! –, e se há algum arrependimento em minha vida certamente é este: ter comprado uma, após anos de resistência.
Quanta tristeza, senti! Tinha acabado de enterrar, com aquela mordida, os segredos e devaneios que alimentavam minha curiosidade. Tão linda e rubra era antes a maçã!
Eis minha primeira lição sobre o assombro: Depois de mordê-lo, evito desvendar mistérios. Há uma mágica neles, e é imprescindível que a deixemos quieta. Sim, sei que tem a tal curiosidade, mas que diabos! Não podemos deixá-la de lado em algumas ocasiões?
Talvez venha daquela mordida o gosto pelo não-saber. Porque hoje não tenho dúvidas de que a minha maçã-do-amor era muito mais interessante e apetitosa do que aquela que se mostrou real –coisa mais sem graça era ela!
Ah, os beijos que dei... Os casamentos de fogueira... Os correios-do-amor... Tudo tão longe, e tão perto.
Sinto miúda dor ao perceber que nada deste mundo consegui compartilhar com as filhas. Que sabem elas da fogueira? Nada! E do correio-do-amor? Nada! Seus mundos, tão distintos do meu, não alcançam a ingenuidade dos bilhetes, o fogo que arde, o rubro da maçã-do-amor que chama e queima.
Ui, eu tenho saudades da fogueira! E quando penso nela, pergunto-me: Tu realmente conseguias pulá-la?
2 comentários:
Meus eventos juninos foram intensos. Com direito às maçãs do amor. Eu as comia com voracidade sem questioná-las, sem entende-las. Soubesse, teria dado lambidas bem mais vagarosas.
Tanto quanto você, Vássia, gostaria que meus netos pulassem fogueira, arranjassem noivos, afilhados e compadres e... comessem maçãs do amor. Mas tudo isso subiu no balão do esquecimento
Leila
Pois é, uma pena... Talvez a solução para esse balão seja morar no Nordeste, não? Beijos!
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