Alexey Menschikov
Lembro como se fosse ontem a
primeira vez que pedi socorro a eles. O ano era 1999 e a ligação no meio da
noite se deu graças a um incidente doméstico: a primogênita, então com dois
anos, quis por à prova a proibição de mexer no ferro de passar roupa e acabou
aos prantos com uma queimadura nos dedos que marejou meus olhos tão logo bati a
vista nas bolhas.
Sem dinheiro ou cartão em mãos,
não contei peteca nem pudores. Peguei o velho telefone, disquei para a farmácia
perto de casa e expus ao atendente a frágil situação: precisava do remédio, mas
só podia pagar no dia seguinte.
Dez minutos depois, chegava o
motoqueiro com o pacote que selaria o mais longo e verdadeiro de meus casamentos
– pois o que é um casamento, ou um bom casamento, para ser mais exata, senão
uma mistura de confiança, afeto e companheirismo?
Posso afirmar, ainda que seja
obrigada a contabilizar os anos nos quais estive ausente, que lá se vão quase
duas décadas de bom relacionamento. Primeiro, com os donos do negócio –Olivaldo
e Walter. E logo depois, com o seu João.
Ele, o seu João, acompanhou
praticamente todas as minhas enxaquecas, algumas ressacas e, seguramente, os
casamentos desfeitos. Também soube dos vermes, dos resfriados, das infecções de
amígdalas e ouvido de minhas pequenas. E das vezes que para suportar a tristeza
fui obrigada a engolir tarjas pretas. Seu João soube ainda das diversas mudanças
de casa – uma delas, quando moramos na Estação Experimental, bairro que ficava
relativamente afastado da farmácia, mas que de todo modo era lá que me faziam
as entregas.
De 1999 até hoje, nos mudamos três
vezes de cidade. E para minha alegria, todo retorno eu descobria que não apenas
o seu João, mas também a minha conta continuavam no mesmo lugar! Lembro que em
uma dessas mudanças, meu pai me telefonou preocupado querendo saber se eu tinha
deixado alguma dívida com os companheiros da farmácia: “Eles me ligaram
perguntando por você, então eu disse que estava bem, morando agora em
Florianópolis”, contou-me na ocasião.
A verdade é que eu não tinha
deixado para trás dívida financeira com a farmácia. Mas tenho consciência de
que se fosse obrigada a dimensionar em valores de moeda corrente o quanto
recebi deles, a história seria outra.
Semana passada fez dois meses que
voltamos para a terrinha. As filhas não são mais crianças, as enxaquecas diminuíram
consideravelmente, e como até agora nenhuma de nós apanhou um resfriado, ainda
não precisei ir à farmácia.
Isso, claro, não me deixa
tranquila. Pois há em mim uma
necessidade de reencontrar o povo de lá. Dias desses passei de noite, perguntei
por seu João e pelo Olivaldo, um dos donos, mas não dei sorte de encontrá-los. O
que foi uma pena, pois queria dizer-lhes que apesar das grandes redes de
farmácia que começam a pipocar na cidade, eu continuo fiel àqueles que sempre
me acompanharam.
Aliás, farei uma confissão sobre essas
grandes redes: elas me enchem de nostalgia. Pese o fato da variedade, e mesmo
do preço competitivo, me soam como lugares inóspitos. Uma espécie de templo à cordial
impessoalidade: entrar nelas é como estar em qualquer farmácia de uma grande
cidade, onde muito provavelmente não se encontram nem um Olivaldo e nem um seu
João para nos salvar de pequenas misérias do cotidiano.