quinta-feira, 31 de março de 2011

Sobre tiras e dentes


Com dor de dente não se brinca. Ao ouvir o comentário, movimento a cabeça em sinal afirmativo e sinto uma ponta de desespero escapar dos olhos. Impossibilitada de falar, fustigo as últimas lembranças da dor, contabilizando, em cinco dias, mais de 30 analgésicos, 20 comprimidos antiflamatório, uma injeção de diclofenaco com benzetacil e três latas de cerveja.

O bom homem conta a história de um paciente que chegou a apontar um revólver para a própria boca na tentativa de estancar a dor. Quis lhe dizer que faria o mesmo, caso possuísse uma arma. Mas o som dos instrumentos metálicos e a luz branca no meu rosto emudeceram as palavras e acordaram os mais sombrios fantasmas.

Agora, as imagens que vagam na minha mente são as de milhares de homens e mulheres torturados. Vejo-os suportar choques elétricos, chibatadas, afogamentos em tanques, estupros, as unhas arrancadas, a carne viva no cimento, a fome, o frio, a humilhação.

E a dor de dente, de repente, parece pequena. Ainda que eu grite, chore e sinta as raízes sendo arrancadas das entranhas.

– Quer levar o dente? – pergunta o dentista.

Ao ouvi-lo, lembro de uma antiga tirinha do Maurício: Cebolinha chora; vai ao dentista; corre para casa, alcança uma lata grande açúcar e afunda o pequeno dente lá dentro: “agora sofre sozinho, desgramado”.

(Eu poderia sorrir, mas já não há ingenuidade para tanto)

Um comentário:

Fernando disse...

Estou me apaixonando por esse você exposto em todaquinta. Divirto-me!
Agradecido