quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A vida aos quarenta

Amadeo Modigliani

Olho no espelho e descubro na imagem uma nova ruga. Os fios de cabelos, ainda por pintar, brilham alheios a qualquer tentativa de disfarce e há, nas veias das mãos, recortes salientes rasgando o que antes era delicadeza.

O concreto fadiga os olhos enquanto a eternidade, outrora guardada nas horas, se desvanece sem culpa. Não há alvoroço. A única pressa é a de viver, alimentar o espírito daquilo que esteve sempre ao alcance das mãos. Então retomo alguns livros, revejo filmes, fotografias, cartas, bilhetes escritos na esquina de um bar, no auge de uma paixão, hoje sem nome, sem rosto.

No fio invisível do espaço, equilibro a melancolia da imagem de ontem com a espera dessa figura nova, esse botão que abre sem pressa à luz da madrugada, para depois – só bem depois? – cair e murchar.

A vida aos quarenta é assim, chega sem bater à porta, como uma lesma no silêncio da tarde invernosa, subindo lenta a escada, varando as frestas, manchando o piso.

E o que ontem era somente frescor vai ganhando outros odores, outras texturas, outros sustos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vássia,
Meu período quarentão foi marcante. Vivi o drama do "é cedo pra desistir e tarde pra recomeçar".
Meu mundo sessentão é de águas mansas e claras, sem direito a trovoadas. Afe!
Beijo grande.
Leila