quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Imanência

Escher

Veio no meio da tarde, a saudade. Não sei exatamente do que, mas desconfio que seja das inexistências. Dos lugares, das pessoas, da vida que deixou de ser para pulsar somente nesse vácuo que é a memória. Sinto isso caminhando na praça, como se de repente a cidade, as ruas, os prédios ao redor sussurrassem um poema em outra língua: é tão melancólico ouvi-lo.

Então espreito a brecha aberta pelo estranho sibilar do vento, buscando no intangível algo que me recomponha. Mas são tão distintas, da imagem que carrego, as janelas, as marquises, os pilares que vejo. Envelheço, eu sei. E talvez seja essa consciência que me faz caminhar mais lenta em meio aos transeuntes, fotografando instantes que logo se confundirão com outras sombras, odores e sons que não me pertencem mais.

Por outro lado, ainda que eu não consiga nomear, carrego algo que se assemelha à sensação de permanência. Quem sabe um gesto que atravessa os séculos e, na contemporaneidade, busca um lugar que o comporte. Ou ainda uma história, uma cena incansavelmente repetida, como se a existência pudesse estar impressa no risco de um antigo vinil, daqueles que engasgavam na ponta da agulha, nos obrigando a levantá-la, avançando-a alguns centímetros.

E o que fazer, então, com o que ficou para trás? Como saber que ao correr aquele curto espaço não deixei escapar algo imprescindível? Será a morte, esta lacuna?

Sem respostas, paro como estrangeira em frente a um novo edifício – eu sei, eu sinto, há algo meu sob os entulhos que lhe serviram de fundação.




Um comentário:

Raphael Dimitri disse...

Vássia,
Adoro suas crônicas, me vi nessa.
Queria conseguir me expressar assim.
A propósito fiquei feliz com sua visita no blog.
Grande abraço,
André