Viktoria Sorochinski
A verdade é que há gentes e
acontecimentos que me impelem ao silêncio. Nunca lhes outorguei, ao menos não
de boa vontade, tamanho poder. Mas o fato é que ao longo de minha existência
vejo-me, aqui e acolá, e quase sempre graças a forças externas, experimentando
essa pequena morte: a ausência de palavras, seguida da inevitável incapacidade
de conjugar verbo algum.
É sempre um assombro cobrir meus ossos com a mortalha fria, tecida no canto mais escuro de minhas entranhas, que acompanha o meu não-estar no mundo. Quando isso ocorre, a sensação que tenho é de medo. Medo de que os textos, sejam eles construídos com palavras ou tintas, me abandonem de todo. Sem volta.
Há estratégias para driblar tal fim? Gosto de acreditar que sim. Mas são tão misteriosos os caminhos...
Desta vez, por exemplo, lancei mão de um velho artifício. Saí procurando em antigas pastas os pedaços de papel que rabisco com uma ou outra ideia inacabada, algumas perguntas, observações e até mesmo confissões feitas pelo espírito – embora muitas delas eu não reconheça mais como verdade.
Foi assim que encontrei a seguinte frase, escrita a lápis e em uma caligrafia quase indecifrável: “Para determinadas fomes, não há risco pior que a pressa. É feito maniçoba”. Lembrei na hora da pueril inquietação guardada há tanto tempo: quantos txais foram envenenados até que se descobrisse o ponto exato deste prato de herança indígena que se assemelha a uma feijoada e que é feito com as folhas da mandioca brava?
Sim, leitor, eu imagino que uma boa pesquisa poderia dar-me a resposta. Mas qual a graça de encontrar respostas para tudo? Tivesse eu, por exemplo, o dado a respeito dos índios envenenados pela ingestão das folhas da maniva, este arremedo de crônica certamente não existiria.
Dito isto, gasto um par de horas na tentativa de seguir o texto. Mas ele se recusa a vir. Talvez não seja o momento, ainda, de conjugar minha inquietação. Talvez a mortalha precise congelar um pouco mais os ossos, até que de tão dormentes, eles sintam o desejo de voltar à vida. Ou não.
Como disse, são misteriosos os caminhos desta pequena morte.
P.S. Ao leitor que eventualmente
desconheça a maniçoba: trata-se de um prato típico de algumas regiões da
Amazônia Brasileira. É uma espécie de feijoada verde, cujo ingrediente
principal é a folha da mandioca brava que deve ser cozida por um período
ininterrupto de aproximadamente sete dias para que seja retirado o teor
venenoso da planta. Feito isso, são acrescidos pedaços de porco. O aspecto da
comida não é dos melhores: se assemelha a fezes de boi. Mas o sabor vale o susto
inicial: é uma delícia!
6 comentários:
Muito bom, Vássia. A maniçoba - quem diria - pode salvar uma quinta-feira... E nem será preciso cozinhá-la tanto. Abraço.
Acho que a essência dos melhores textos pode vir justamente das indagações profundas, e por vezes contraditórias da alma, quando ela encontra seu paradoxo, sua dor, sua ausência de palavras. Clarice que o diga, textos de almas já formadas.
Pois é, menina, tem que digerir bastante. Adorei a comparação, tanto quanto adoro maniçoba.
Estou testando para ver se o comentário chega aí. É mais um teste que um comentário.
Uia, chegou! Não sou um robô.
...
O silêncio nutre tanto quanto uma comida preparada sem pressa. ainda não sei cozinhar mandioca.
Postar um comentário