Marco Gamarra Galindo
Manhã cinza. Os passarinhos
reclamam pousados nos fios. Há uma brisa leve balançando a toalha estendida no
varal. A terra está molhada, as flores abertas, o lixo por colocar. Ouço o
ranger leve da porta e lá da rua alguém grita: “Ê, vida!”.
Em meio à fumaça, hoje maldita,
tento ouvir os sussurros do tempo que me escapa. É sempre uma briga silenciosa
esta onde me açoitam os fantasmas sem nome.
Há um quarto escuro reservado a eles em minha morada. Tranquei-o com porta
de madeira bruta, emprestada de alguma imagem de galerias que escondiam antigas
catacumbas.
Em dias assim, suspensos nas
assimetrias da vida, sou atraída a este lugar. Despeço-me, então, do que me
rodeia na aparente realidade. E sigo resignada, em meio à desesperança e o cansaço,
até ele.
São tantos os degraus para
alcançá-lo. Não há luz que ajude na descida. E não fossem as paredes úmidas,
onde crescem fungos que desafiam a natureza conhecida dos homens, possivelmente
eu me perderia. Mas aprendi a tateá-las. De forma que sei a direção de todos os
corredores que levam à grande porta (sinto um tremor nas mãos e uma fisgada
fina na boca do estômago ao destrancá-la).
O chão lá dentro é frio. E
mesmo sabendo disso, chego até ele descalça e nua. Encontro-me, agora, no
centro do quarto. Ao meu redor vejo crescer, ainda que não abra os olhos, as
garras dos moradores do lugar. Algumas me espetam a carne, afagam os cabelos,
roçam minhas coxas, enquanto outras apenas zombam de minha agonia.
Dessa massa incorpórea
despregam-se gritos, soluços, lamúrias de todas as idades. Ouço-os como se
estivessem ao pé do ouvido. E já não sei mais de onde vem a dor maior. Serão
minhas todas essas lembranças?
Ah, essa língua
indecifrável! Como traduzir o que dizem os fantasmas?
Deixo-me, então, cair. E
como se mergulhasse em um poço sem fundo, tento guardar o ar para que a vida
não me escape no susto.
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