quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Da morada dos fantasmas

Marco Gamarra Galindo

Manhã cinza. Os passarinhos reclamam pousados nos fios. Há uma brisa leve balançando a toalha estendida no varal. A terra está molhada, as flores abertas, o lixo por colocar. Ouço o ranger leve da porta e lá da rua alguém grita: “Ê, vida!”.

Em meio à fumaça, hoje maldita, tento ouvir os sussurros do tempo que me escapa. É sempre uma briga silenciosa esta onde me açoitam os fantasmas sem nome.  Há um quarto escuro reservado a eles em minha morada. Tranquei-o com porta de madeira bruta, emprestada de alguma imagem de galerias que escondiam antigas catacumbas.

Em dias assim, suspensos nas assimetrias da vida, sou atraída a este lugar. Despeço-me, então, do que me rodeia na aparente realidade. E sigo resignada, em meio à desesperança e o cansaço, até ele.

São tantos os degraus para alcançá-lo. Não há luz que ajude na descida. E não fossem as paredes úmidas, onde crescem fungos que desafiam a natureza conhecida dos homens, possivelmente eu me perderia. Mas aprendi a tateá-las. De forma que sei a direção de todos os corredores que levam à grande porta (sinto um tremor nas mãos e uma fisgada fina na boca do estômago ao destrancá-la).

O chão lá dentro é frio. E mesmo sabendo disso, chego até ele descalça e nua. Encontro-me, agora, no centro do quarto. Ao meu redor vejo crescer, ainda que não abra os olhos, as garras dos moradores do lugar. Algumas me espetam a carne, afagam os cabelos, roçam minhas coxas, enquanto outras apenas zombam de minha agonia.

Dessa massa incorpórea despregam-se gritos, soluços, lamúrias de todas as idades. Ouço-os como se estivessem ao pé do ouvido. E já não sei mais de onde vem a dor maior. Serão minhas todas essas lembranças?

Ah, essa língua indecifrável! Como traduzir o que dizem os fantasmas?

Deixo-me, então, cair. E como se mergulhasse em um poço sem fundo, tento guardar o ar para que a vida não me escape no susto.

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