segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Cadê?

A procura da autoria 

Para ler ouvindo Ednardo

O título acima não é meu. Mas de um amigo que me enviou um e-mail perguntando sobre a crônica da última quinta-feira. Não a fiz, pensei em responder. Mas era óbvio que isso ele já sabia. E se ainda assim me escreveu, não foi senão para dar-me um puxão de orelha.

Então, meu caro Zé (posso chamar-lhe carinhosamente assim?), farei aqui uma confissão e espero que ela sirva como um pedido de desculpas: o silêncio da última semana se deu por conta de uma enxaqueca.

Esta é uma das desvantagens da função não remunerada que me impus de escrever às quintas – sem a pressão de um editor ou a obrigação com uma coluna de jornal, revista ou site, uma dor de cabeça basta para justificar a inexistência de um texto novo.

É uma vergonha, eu sei. E um desrespeito a leitores como você, sempre tão fieis. Mas veja: a falha também me maltrata. Tanto e com tão profunda intensidade que chego a sentir escorrer o sangue com as lambadas da página em branco, enquanto ouço o zunzunzum de histórias que bem poderiam criar asas ao invés de me fazerem acordar no meio da noite.

Ontem, por exemplo, despertei às três da madrugada com a expressão “rapiocagem” na cabeça (Ah, Zé, bem sabes a agonia que é quando o coração de uma palavra resolve bater com força!). Então acendi a luminária, peguei caneta, bloco e anotei-a (tenho sempre a esperança de que isso seja o suficiente), mas para azar do meu sono vi surgir nos meandros da rapioca a figura de um gavião, seguida pela de um homem dando farelos a pássaros.

Como tenho pensado a respeito do significado da palavra “fidelidade”, imaginei que tais elementos dariam uma boa crônica. A ideia, a princípio, era a de desenvolver uma analogia a partir das duas imagens de forma que fosse possível descrever o comportamento de homens que mesmo comprometidos (ou exatamente por isso?) se dão ao trabalho de testar o primário hábito de seduzir outras presas.

Para facilitar o raciocínio eu os dividiria, então, em duas espécies. Na primeira estariam aqueles cujo impulso predador é maior que qualquer escrúpulo – ou como cantou João do Vale sobre o carcará: “Pega/mata/e come”. E na segunda, os que se alimentam tão somente do jogo – como pavões que abrissem as exuberantes asas e gritassem a noite inteira sem consumarem a dança do acasalamento.

Daí o homem e seus farelos – todos distribuídos, na segurança da virtualidade, a desavisados e famintos pássaros. Não menos infiel, não menos inescrupuloso, não menos nocivo do que os gaviões (aliás, devo dizer que entre uma espécie e outra, ainda prefiro os da primeira: são mais transparentes e previsíveis), esse tipo de homem daria origem ao que nomeei de rapiocagem sentimental, expressão que achei perfeita para o título, caso eu conseguisse fazer a tal crônica!

Mas quem disse que ela veio?

Frente ao fracasso em desenvolver a ideia inicial, tomei um comprimido, anotei algumas impressões e guardei-as. No futuro quem sabe eu possa, ao relê-las, escrever a respeito. E dizer mais sobre o que penso do amor e suas distrações.


P.S. Como prova de minha aflição e pressa em desculpar-me, resolvi antecipar o texto. Oxalá surja outro até esta quinta!

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