quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

El mundo amarillo

Bert Hardy



Tenho acordado cedo. Troquei a madrugada pelas lambidas do sol, que se arrastam pelo mar antes de me alcançarem na cama. Dia assim, hora assim, dá pra escutar as ondas quebrando. Os carros deixam. Seus motoristas aproveitam as férias: dormem tarde, saem para a praia no sol de rachar, permitindo certo silêncio nas ruas. Eu gosto. Gosto do silêncio para poder escutar os cochichos do mundo. Este, cujos sentidos das gentes, andam esquecidos de perceber.

Veja essa luz, por exemplo. É tão amarela, diferente da brancura que hoje invade as salas e as telas pelas quais vão sendo filtrados os simulacros da vida de cada um.

(desconfio: morrer é viver nesta luz branca, em meio a sorrisos, saltos, batons, alegrias, consumos e vitórias e vitórias e vitórias. Morrer não é mais dar um último suspiro, um adeus aos que nos querem bem. Morrer é perpetuar-se no branco espetáculo das telas – e seus diferentes modelos, recursos, promessas).

Sob a luz amarela ouço os passarinhos cantando, acompanhados pelo coro das cigarras. Andam felizes, elas. Até esqueço o medo que sinto quando uma resolve perder-se nas paredes da casa, zumbindo frenética enquanto as asas batem velozes. Gosto de ouvi-las nas árvores. Agora, por exemplo, há um bando espalhado entre o ingá-de-macaco, a quaresmeira, a jaqueira e outras espécies que desconheço o nome, mas fazem do morro meu pedacinho distraído de floresta.

É também sob a luz amarela que vivem o seu João, da farmácia; a Cida, da padaria; a Cris, a Toinha e o Luciano, do mercadinho; os garis, os vizinhos que dão bom dia, os vendedores de frutas, os pescadores, as costureiras; e os verdadeiros incêndios da alma.

O mundo não é essa brancura estéril. O mundo é onde moram os bichos, as plantas, as gentes. É esse cotidiano, ora triste, ora alegre. É o suor escorrendo na testa e borrando a cara de quem se disfarça. A mancha e o buraco na camisa escolhida às pressas; o sapato que aperta; a chinela que fere; o lixo esquecido. É a gritaria da molecada; os pelos dos cachorros e gatos pela casa; a bagunça da mesa, dos quartos; a louça na pia da cozinha e as negociações para ver quem dela se livrará. São as lembranças que guardamos em caixas, pastas, baús. Ou naquele canto recôndito da alma.

O mundo, tão bonito de ver, é essa luz amarela onde a vida escorre. Escorre em choro, em sangue, em fúria, em sofrimento, em injustiças. Mas também em risos, abraços, amores e solidariedade.                                                                                             

Um comentário:

Dermeson Lima disse...

Amei esse seu mundo que mistura cores e sons. E que lá no alto, no meio de um pedacinho de serra tem uma estrela que esta nos abrilhantar que é vc.....
Bjos com gostos e cheiros com sons saudosos, Dermeson e Arlete