quinta-feira, 2 de julho de 2009

Exílio



Charlie Waite


Faz sol lá fora, embora o frio ameace congelar a água que esquecemos no refrigerador. O céu é de um azul infinito – e nem as nuvens que brincam se exibindo em diferentes formas conseguem borrar sua beleza –, alguns pássaros cantam esquecidos do inverno, um cão solitário ladra nos fundos da casa vizinha e o colorido das mantas, estendidas no varal, dançam com a brisa sorrateira.

Há três dias vivo exilada e somente hoje meu espírito rendeu-se a essa experiência permitindo que eu descansasse os olhos e mirasse a natureza e a vida ao meu redor. Dito isso, uma preocupação perturba minha mente: estarei eu desaprendendo o olhar simples? É possível que as preocupações cotidianas invadam de tal maneira a existência a ponto de fazer com que esqueçamos a essência, o que realmente importa?

Faltam-me agora forças para encontrar respostas. Mas admito que tenho usado, nas últimas semanas de ausências, o argumento simplório da falta de tempo. Ah, o tempo! Por qual razão usam as horas de tanta velocidade? A pergunta me faz recordar da primeira vez que o tempo surgiu como uma figura medonha a minha frente: foi aos 20 anos, quando li a Teogonia de Hesíodo. Desde então, a imagem de Cronos engolindo os filhos me persegue. E por mais que eu tente, é impossível me desvencilhar da sensação de perda que o tempo passou a ter em minha vida.

Por outro lado, e talvez a minha origem amazônica explique isso, é comum que eu imagine o futuro com a imagem de um extenso tapete a desenrolar sem pressa. É uma incongruência, eu sei. Mas o que posso fazer se habitam em mim os extremos? Além do que, veja, é preciso alimentar a generosidade consigo mesmo. Não dá para empunhar sempre e com tanta força o chicote da culpa e do fracasso – há de se deixar curar o tempo e retirar dele a sabedoria do porvir.

Eu não disse ainda, mas meu exílio é forçado. Deve-se a uma greve nos transportes públicos e ao fato de morar em uma cidade cuja geografia é bela e bizarra ao mesmo tempo. Bela porque não há como negar o colorido das velas no mar, o recorte dos morros e a delicadeza de suas praias, que se insinuam como moças tímidas entre as entranhas do mar e a saliência das montanhas; e bizarra por reproduzir em seus espaços, a essência de ilha – desagregando, isolando e estratificando sua gente.

Por isso me encontro em casa, e daqui não há como sair. São 36 km de distância até o Centro, lugar que reúne serviços que faltam no bairro onde vivo como correios e bancos – algumas contas venceram esta semana, mas pagarei os juros quando a vida voltar ao normal. Sobre esse isolamento, preciso desabafar: ele seria inexistente se houvesse solidariedade.

Mas isso são outras distâncias, coisas que nem o tempo pode explicar. O que importa agora, nesse instante que me deixei levar pelo esquecimento das coisas, é a vivacidade deste dia, a expressividade deste céu tingido de azul infinito, o vagar das horas perdidas e o imaginar daquelas que ainda repousam na interrogação do amanhã.

Meu olhar atravessa o vidro sujo da janela se espalhando pelo verde musgo da vegetação que cobre a montanha. Lá longe, a vista alcança o infinito, o não-lugar das coisas: minhas histórias andam perdidas nessa bruma espessa.

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