sábado, 2 de outubro de 2010

Nazinha


Gustav Klimt


Um elefante sentou no meu peito, impedindo a respiração tranquila. As mãos andam dançando tango, sem que eu as guie. O sono é induzido por uma pílula rosa e as imagens torpes que embaralham minhas madrugadas, evaporam-se com o nascer do sol. Não quero retê-las porque não há como explicá-las. Elas existem, assim como existem os pássaros assobiando no jardim, ainda que eu não tenha um.

O tempo, senhor de toda a interrogação, segue lento. E arrasta com ele um pedaço de mim. Quero reter esse pedaço, abraçá-lo, fundir-me a ele no silêncio das palavras. Mas a geografia alarga as distâncias.

Forçosamente é preciso seguir. Agora, com a convicção de que não há completude.

Lá longe, ou talvez perto, o choro da criança é também o meu. Quero poder gritar: abraça-me, abraça-me, abraça-me. E no vazio que opera a partida, sinto emergir o lago de lágrimas. Quero afundar-me neles, mas há mãos pequenas que me impedem. São as âncoras das quais não posso me desvencilhar. Há um contrato implícito de amor e compromisso.

Então eu sigo. Lenta, como o tempo. Castigada pelos vazios e o pedaço ausente do qual jamais, a não ser na memória, sentirei o cheiro.

2 comentários:

Anônimo disse...

meritocracia do desejo.

Carla Antunes disse...

Palavras tão verdadeiramente intensas as tuas...
Estes momentos de "elefantes no peito" (adorei a expressão! :D)estão entre os melhores para aprendermos, lapidarmos o espírito e portanto, crescer com essa nossa vida... E diga-se de passagem, pra escrever também!