quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Fotografias de sabão

Escher

"Fique tranquila. Eu agora vou indicar em cada texto que faço a parte exata da sonora que espero ver no telejornal". Foi o que me disse, certa vez, uma repórter que apontava para um erro gravíssimo meu: Na pressa de editar uma matéria que ia ao ar em menos de quinze minutos, não escutei a fala completa de um deputado cearense e acabei deixando de fora da notícia os xingamentos que o político dedicou a outro nobre colega.

Honestamente, não sei se gostaria de ter tido o trabalho de extrair de tal declaração os impropérios que costumamos gritar para o juiz quando o nosso time de futebol está perdendo. Porque reverenciar a mãe do árbitro pode fazer parte do vocabulário do torcedor brasileiro em dia de decisão, mas continuo achando enorme falta de criatividade quando colocado na boca de nossos políticos.

Talvez isso explique o alívio que senti mesmo após o puxão de orelha dado pelo diretor da emissora: eu havia dormido no ponto, mas o cochilo, no final das contas, poupava os telespectadores de cena tão deprimente.

Há um provérbio italiano que diz que “a sabedoria vem de escutar; de falar, vem o arrependimento”. Lembrei dele assim que saí da sala. Não sou grande conhecedora de provérbios, mas gosto dos adágios que unem à sabedoria popular uma boa pitada de humor. Neste caso, a lição italiana remetia a uma cena antiga, quando eu tinha dez anos de idade e acompanhava meu pai em uma visita, que pareceria importante, ao estúdio de um fotógrafo.

Como bom jornalista, meu pai sempre fez questão de ter todas as ferramentas necessárias para o exercício da profissão. Além de várias cadernetas – escritas com caligrafia elegante e uma ordem que até hoje invejo –, sempre comprou diferentes canetas, gravadores e máquinas de fotografar.

Confesso que essa lembrança me causa certo constrangimento. Porque apesar de ter crescido ouvindo-o dizer que era uma vergonha eu não ter meu próprio gravador e câmera, nunca aprendi a lição.

Entramos no estúdio e sentamos em um pequeno sofá da sala de espera. O fotógrafo abriria a porta do gabinete pouco depois. Era jovem, ainda, e acho que usava óculos. Sorriu e convidou-nos a outra sala. Ali eram guardadas dezenas de máquinas, algumas semelhantes à recém comprada por meu pai – uma Cânon, com lentes que a minha falta de conhecimento não permite nomear –, a mesma que ele depositou nas mãos do outro, como quem entrega o filho a um estranho.

Eu não entendia nada do que falavam. E me incomodava a maneira como meu pai se comportava, parecia que nunca tinha visto uma máquina de fotografar! Mas o fotógrafo, ao contrário, se animou com sua suposta falta de familiaridade e passou a mostrar-lhe cada detalhe daquele filho desconhecido: “Este botão serve para isto”; “aqui, se a luz é boa, você consegue milagres na imagem”; “neste ângulo, e com a iluminação certa, a lente funciona sem precisar de flash”...

Saímos do estúdio duas horas depois, em meio a um calor escaldande. Ele estava radiante, ainda que seguisse no passo vagaroso de sempre. Tão feliz que chamou-me para tomar um sorvete e só então, ou porque viu que permaneciam em meu rosto a agonia silenciosa e o olhar interrogador, disse: “É muito difícil convencer alguém a te ensinar alguma coisa se você demonstra que já sabe, e assim você deixa de aprender com o outro”.

Devo confessar que a explicação, na época, não devolveu de todo a minha tranquilidade. Mas hoje sei que é dessa antiga lição paterna que vem a minha busca pela humildade. E também a justificativa, ainda que vergonhosa, para o fato de eu nunca ter comprado um gravador decente o suficiente para durar. Ou aprendido a fotografar: suplantar um mito é tarefa difícil.

E dolorosa.

*Esta crônica foi escrita em Fortaleza, no ano de 2005. Saiu do baú graças a um esgotamento do qual não sei o nome ou a origem.

2 comentários:

Anônimo disse...

VÁSSIA, APRENDESTE UMA BELA LIÇÃO!
AGORA, POR FAVOR, COMPRE UM CELULAR BEM MODERNO QUE GRAVE E FOTOGRAFE, TÁ LEGAL?

Anônimo disse...

O ANÔNIMO SOU EU, LEILA JALUL