domingo, 10 de março de 2013

Macapá dos livros e da poesia

Estudantes em palestra da Pré-Flap 2013 (Foto de Antônio Sena)

“Ê, saudade!” Pensei isso na última quinta-feira, enquanto fumava um cigarro em um dos bancos do aeroporto de Brasília. Tinha acabado de sair de Macapá, depois de quatro dias integrando a Caravana de Escritores, um projeto da Biblioteca Nacional que o governo do Amapá abraçou este ano, inaugurando o circuito de eventos literários que irão anteceder a Flap 2013.

Quem conhece a Amazônia sabe que é quase um poema a decisão de incentivar a leitura organizando na região palestras e bate-papos com autores nacionais e locais. Porque não se trata de vencer apenas as distâncias cruzando rios, matas, igarapés. É preciso vencer também o preconceito em relação à língua e seus sotaques; o modo de vida de sua gente; os sabores exóticos; e a imagem de um Brasil literário calcado no eixo Rio-São Paulo.

“Temos uma riqueza diferente”, disse-me o amigo poeta Herbert Emanuel durante o trajeto de carro que nos levaria de Porto Grande a Ferreira Gomes. Discutíamos então sobre as dificuldades enfrentadas por outros escritores e artistas da região (gente que resolveu não ceder aos encantos do eixo) e de como o restante do Brasil vive de costas para a cultura que se espalha diversa por todo o Norte.

Acho que foi Marina Silva quem disse uma vez que para enxergar o Acre era preciso ver com o coração. Lembrei-me da frase porque até hoje não encontrei outra que sintetize melhor o que é a Amazônia, esse lugar de silêncios e algazarras onde as belezas só se desnudam de todo para o coração.

É com o coração, por exemplo, que se vê a poesia mansa das embarcações descendo ou subindo os rios; os acenos de mão dos ribeirinhos; a fala arrastada de castanheiros ou seringueiros; a vibração das parteiras ou dos tambores do Curiaú; o lamento dos escravos que ergueram a Fortaleza de Macapá; a cultura dos povos indígenas; ou a memória de quem aprendeu na lida diária a ouvir e compreender os mistérios das matas.

Há que se apagar a imagem do asfalto e dos arranha-céus para enxergar as cidades na Amazônia; despir-se da ideia de que para comer bem se deve ir a um restaurante cinco estrelas; e estar atento à generosidade que emana de seu povo.

Ah, mas como é difícil falar a língua do coração!

Saiba o leitor que estou há horas tentando escrever sobre os dias em que passamos no Amapá, eu e outros escritores, conversando com professores e estudantes de lugares como Mazagão, Porto Grande e Ferreira Gomes. Mas as lembranças são tão sentimentais que se as descrevesse aqui eu correria o risco de banalizá-las.

Então prometo a mim mesma não falar da saudade que senti do sorriso grande e afetuoso do Maguila; das noites no Formigueiro; do Marabaixo; do açaí (meu Deus, por que tão caro?), do camarão no bafo, da farinha e do sorvete de Murici. Também não direi da falta que sinto dos amigos que ali deixei, dos versos pregados nas esquinas e trapiches, cantados por músicos como Zé Miguel, Amadeo Cavalcante, Osmar Júnior, Joãozinho Gomes.

Sou agora só sentimento, uma mistura ardente de gengibirra, mapinguaris, iaras e botos. E como me escapam as palavras, contenta-me confessar: é uma alegria voltar ao Amapá e sentir que ele exala, novamente, a poesia autêntica de seu povo. 

5 comentários:

Gil Maulin disse...

muito bonito esse universo todo que você escreve sobre o Norte!

cica fittipaldi disse...

eu só fui uma vez para Rio Branco... e foi inesquecível.
Gostaria de voltar um dia, nas asas de um projeto de criação, envolvendo artistas, poetas, águas, florestas e imensidão da alma.
Beijos, Vassia.

cica fittipaldi disse...

Quem sabe seria em Macapá, este projeto de criação... quem sabe.

Anônimo disse...

Uma chegadinha em "casa" é sempre bom. Areja!
Leila

Lu Gomes disse...

Que bom seria se todos os gestores valorizassem a riqueza de sua região e promovessem caravanas como esta.Parabéns ao governo do Amapá e a estes artistas que veem com o coração. Parabéns Vássia!