Estudantes em palestra da Pré-Flap 2013 (Foto de Antônio Sena)
“Ê, saudade!” Pensei isso na
última quinta-feira, enquanto fumava um cigarro em um dos bancos do aeroporto
de Brasília. Tinha acabado de sair de Macapá, depois de quatro dias integrando
a Caravana de Escritores, um projeto
da Biblioteca Nacional que o governo do Amapá abraçou este ano, inaugurando o
circuito de eventos literários que irão anteceder a Flap 2013.
Quem conhece a Amazônia sabe
que é quase um poema a decisão de incentivar a leitura organizando na região palestras
e bate-papos com autores nacionais e locais. Porque não se trata de vencer apenas
as distâncias cruzando rios, matas, igarapés. É preciso vencer também o
preconceito em relação à língua e seus sotaques; o modo de vida de sua gente;
os sabores exóticos; e a imagem de um Brasil literário calcado no eixo Rio-São
Paulo.
“Temos uma riqueza
diferente”, disse-me o amigo poeta Herbert Emanuel durante o trajeto de carro
que nos levaria de Porto Grande a Ferreira Gomes. Discutíamos então sobre as
dificuldades enfrentadas por outros escritores e artistas da região (gente que
resolveu não ceder aos encantos do eixo) e de como o restante do Brasil vive de
costas para a cultura que se espalha diversa por todo o Norte.
Acho que foi Marina Silva
quem disse uma vez que para enxergar o Acre era preciso ver com o coração. Lembrei-me
da frase porque até hoje não encontrei outra que sintetize melhor o que é a
Amazônia, esse lugar de silêncios e algazarras onde as belezas só se desnudam
de todo para o coração.
É com o coração, por
exemplo, que se vê a poesia mansa das embarcações descendo ou subindo os rios;
os acenos de mão dos ribeirinhos; a fala arrastada de castanheiros ou
seringueiros; a vibração das parteiras ou dos tambores do Curiaú; o lamento dos
escravos que ergueram a Fortaleza de Macapá; a cultura dos povos indígenas; ou
a memória de quem aprendeu na lida diária a ouvir e compreender os mistérios
das matas.
Há que se apagar a imagem do
asfalto e dos arranha-céus para enxergar as cidades na Amazônia; despir-se da
ideia de que para comer bem se deve ir a um restaurante cinco estrelas; e estar
atento à generosidade que emana de seu povo.
Ah, mas como é difícil falar
a língua do coração!
Saiba o leitor que estou há
horas tentando escrever sobre os dias em que passamos no Amapá, eu e outros
escritores, conversando com professores e estudantes de lugares como Mazagão,
Porto Grande e Ferreira Gomes. Mas as lembranças são tão sentimentais que se as
descrevesse aqui eu correria o risco de banalizá-las.
Então prometo a mim mesma não
falar da saudade que senti do sorriso grande e afetuoso do Maguila; das noites
no Formigueiro; do Marabaixo; do açaí (meu Deus, por que tão caro?), do camarão
no bafo, da farinha e do sorvete de Murici. Também não direi da falta que sinto
dos amigos que ali deixei, dos versos pregados nas esquinas e trapiches, cantados
por músicos como Zé Miguel, Amadeo Cavalcante, Osmar Júnior, Joãozinho Gomes.
Sou agora só sentimento, uma
mistura ardente de gengibirra, mapinguaris, iaras e botos. E como me escapam as
palavras, contenta-me confessar: é uma alegria voltar ao Amapá e sentir que ele
exala, novamente, a poesia autêntica de seu povo.
5 comentários:
muito bonito esse universo todo que você escreve sobre o Norte!
eu só fui uma vez para Rio Branco... e foi inesquecível.
Gostaria de voltar um dia, nas asas de um projeto de criação, envolvendo artistas, poetas, águas, florestas e imensidão da alma.
Beijos, Vassia.
Quem sabe seria em Macapá, este projeto de criação... quem sabe.
Uma chegadinha em "casa" é sempre bom. Areja!
Leila
Que bom seria se todos os gestores valorizassem a riqueza de sua região e promovessem caravanas como esta.Parabéns ao governo do Amapá e a estes artistas que veem com o coração. Parabéns Vássia!
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