quinta-feira, 5 de junho de 2014

Elegia ao ridículo

Detalhe de tela de Andy Wyeth 


Quase não tenho dúvidas de que é de Nelson Rodrigues a frase que hoje me serve de inspiração: “Só os imbecis têm medo do ridículo”.  

Percebo que muito antes de conhecer ao mestre eu já praticava a máxima: Aos 13 anos enviei a um garoto de quem gostava uma carta supostamente escrita em francês – repare o leitor que eu nada sei deste idioma, além de algumas sonoridades que me agradam e que por isso pregaram-se ao meu parco vocabulário.

Enviar é maneira de dizer, pois minha ansiedade era tamanha que não cabia esperar pela eficiência dos Correios. Dei-me, portanto, ao trabalho de pular o muro da casa do garoto (ainda arranhei os joelhos!) e me esgueirar sob a janela, enquanto a família assistia à televisão, para lançar o envelope e seu anônimo conteúdo pela fresta da porta principal.

O mais risível desta história (sim, leitor, pode rir...) foi imaginar, como na época eu fiz, que o inocente se desse ao trabalho de buscar tradução para o que era, então, apenas uma ridícula carta de amor! E sabe-se lá escrita em qual idioma!

Minha mãe, a quem contei a aventura tão logo pude, não disfarçou a decepção:

– Filha, isso é coisa que se faça? Se alguém tinha que pular o muro, arranhar os joelhos e jogar porta abaixo uma carta de amor, certamente não era você! Onde andas com a cabeça?

Nas nuvens, eu poderia ter respondido. Mas foi apenas anos depois que descobri que é lá, no alto e emaranhado céu, que meu espírito descansa das monótonas regras do bem viver.

E pensa o leitor que a descoberta poupou-me de situações semelhantes? Nada disso! Coleciono outras desta envergadura. O que é um grande paradoxo. Afinal, como é possível que justo eu, tímida a ponto de dar dó, tenha elegido o caminho do ridículo para sublimar as paixões?

Não sei exatamente a razão da escolha, talvez tenha sido mero acaso. Algo que o coração recebeu como verdade a partir do momento em que percebeu que bastava atingir o auge do ridículo, e tudo que era tormenta se desfazia em mansas águas. 

Assim acreditou, assim seguiu vida afora, me fazendo cumprir os mais bizarros rituais de cura: derramar-me em versos e vinhos; não suportar esperar o amanhã, após uma briga, e jogar pedra na janela do quarto do namorado no meio da madrugada; ligar para o outro apenas para escutar a voz (com a consciência de que mesmo sem dizer palavra, ele saberia que era eu ao telefone); pegar um avião no meio da noite (e apenas com a roupa do corpo) para alcançar aquele que em poucas horas cruzaria o oceano para viver do outro lado do planeta.

O resultado? Ah, leitor... O que posso dizer é que continuo viva. 
E o coração, com tantos ridículos que me faz passar, pulsa cada vez mais forte e livre.


4 comentários:

Marilia Kubota disse...

Ah, ah, ah! Depois de tudo, o que sobra são boas risadas. beijos!

Vássia Silveira disse...

Sempre, Marilia! Beijo!

Gil Maulin disse...

à tua liberdade, vários brindes!

Jalul disse...

Os mais ridículos de todos os ridículos são os inconfessáveis. É que são por demais impublicáveis. Dos mais simples, quando lembro, apenas rio.

Leila