Primeiro foi o cheiro de manga. Chegou em meio à tarde, invadindo narinas e cenas adormecidas.Carregou-me para longe, a quintais sombreados por jaqueiras, jambeiros e mangueiras. Vi-me brincando na terra.
“Larga isso, menina!”. Ouço a voz dela lá longe, deve estar pregada no batente de madeira da escada que separa o terreno da cozinha – e as panelas penduradas por pregos na parede, o pano sob a pia de cimento, o vapor dos vasilhames fumegando no fogão. É doce de jaca? Deve ser. Todos os dias ela faz. Quando não, creme de cupuaçu. É bom... Tão bom quanto o calor do mingau quentinho de banana com canela.
Não é que me lembrei também do doce no palito? E da raspadinha na esquina do Colégio Meta, bem na frente do rio: “quero a de creme!”. Dia de sábado tinha espuma do mar. Era só ouvir a voz rouca do vendedor “Olha a espuma, espuma, espuuuuma do mar!”, e sair correndo para a rua.
Tempos bons aqueles.
Hoje o que vejo da janela embaçada pelo vidro são espasmos da tarde. Aqui e acolá uma nuvem ameaça brincar de monstro. Não há muito tempo para a imaginação.
Mas como dizer isso a ele? Sem resposta, sou novamente carregada a outros rincões.
Desta vez sinto a madeira. Tábuas que guardam sonhos que muitos não lembram ter tido. Vem dessa casa antiga, cravada no coração da cidade. “Pois não sentes o cheiro?”, pergunto ao amigo. Ele não sente. E eu, recolhida ao espanto ingênuo, me deixo inebriar pelas lembranças, algumas, sem dono.
Na boca da noite, durante o trajeto para casa, chega o cheiro de rapadura. A saliva transborda. Há um leve tremor em minhas mãos: quero compreender o que me diz o universo e suas brincadeiras.
Mas nada sei dele hoje, além dos cheiros da infância que resolveram me visitar.
“Larga isso, menina!”. Ouço a voz dela lá longe, deve estar pregada no batente de madeira da escada que separa o terreno da cozinha – e as panelas penduradas por pregos na parede, o pano sob a pia de cimento, o vapor dos vasilhames fumegando no fogão. É doce de jaca? Deve ser. Todos os dias ela faz. Quando não, creme de cupuaçu. É bom... Tão bom quanto o calor do mingau quentinho de banana com canela.
Não é que me lembrei também do doce no palito? E da raspadinha na esquina do Colégio Meta, bem na frente do rio: “quero a de creme!”. Dia de sábado tinha espuma do mar. Era só ouvir a voz rouca do vendedor “Olha a espuma, espuma, espuuuuma do mar!”, e sair correndo para a rua.
Tempos bons aqueles.
Hoje o que vejo da janela embaçada pelo vidro são espasmos da tarde. Aqui e acolá uma nuvem ameaça brincar de monstro. Não há muito tempo para a imaginação.
Mas como dizer isso a ele? Sem resposta, sou novamente carregada a outros rincões.
Desta vez sinto a madeira. Tábuas que guardam sonhos que muitos não lembram ter tido. Vem dessa casa antiga, cravada no coração da cidade. “Pois não sentes o cheiro?”, pergunto ao amigo. Ele não sente. E eu, recolhida ao espanto ingênuo, me deixo inebriar pelas lembranças, algumas, sem dono.
Na boca da noite, durante o trajeto para casa, chega o cheiro de rapadura. A saliva transborda. Há um leve tremor em minhas mãos: quero compreender o que me diz o universo e suas brincadeiras.
Mas nada sei dele hoje, além dos cheiros da infância que resolveram me visitar.
4 comentários:
As lembranças da infância nos acompanham por toda a vida. Que bom seria se fossem sempre boas!
Marcel Proust "EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO"Faz o menino frágil asmático e efeminado encontrar mais do q a geografia, as memórias olfativas e gustativas,O passado não volta mas é assegurado pela memória, madeleines ou mingal de banana são lembranças queridas e inefáveis.Vejo q vc também encontrou a delicia da infancia. Cuidemos ,porém q não seja o cotidiano carreado e culpado por não ser passado.
Lindo texto, querida!
Já está no site colorido por imagens de belíssimas mangas que caem aos borbotões.
Um abraço mais carinhoso que os de antes e um cheiro mais cheiroso que o cheiro das rapaduras. Adoro!!!
Leila Jalul
Amiga, estes são os comentários deixados no site do Lima Coelho. Abraços grandes.
Escrito de alma. Parabéns Vássia
Comentário Enviado Por: Mariana Rodrigues Em: 26/1/2012
--------------------------------------------------------------------------------
Adorei Vássia
Comentário Enviado Por: Irene Romero Em: 26/1/2012
--------------------------------------------------------------------------------
Beleza de crônica. Feliz 2012 Vássia
Comentário Enviado Por: Betina Em: 26/1/2012
--------------------------------------------------------------------------------
Ler a Vássia, acreditem, me deixa cheia de dedos.
Adoro essa menina!
Comentário Enviado Por: Leila Jalul Em: 26/1/2012
--------------------------------------------------------------------------------
Intimista e de memórias
Comentário Enviado Por: Lenir Sacramento Em: 26/1/2012
--------------------------------------------------------------------------------
Um texto espetacular
Comentário Enviado Por: Depaula Em: 26/1/2012
--------------------------------------------------------------------------------
A crônica de Vássia lembra a madalena de Proust. É uma escritora de verdade.
Comentário Enviado Por: william porto Em: 25/1/2012
Postar um comentário